Veio a Portugal para o grande Encontro da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Que Democracia?, mas foi numa sessão de apresentação do último romance Cinco Esquinas, no CCB, que estive para o ver e ouvir. Falo, já se percebeu, de Mario Vargas Llosa, Prémio Nobel da Literatura (2010) e um dos escritores consagrados que temos o privilégio de ter entre nós.

Nesta sessão, Vargas Llosa debateu o jornalismo de entretenimento e a miríade de informações desenfreadas que hoje nos cercam. «Temos tanta informação, mas não conhecemos a sua hierarquia.», disse. E foi neste ponto que se deteve por alguns minutos, já que o mesmo é tema central no seu livro recentemente publicado em Portugal. A imprensa de escândalo (“prensa amarilla”, como se diz no Peru), que perseguiu e intimidou tantas e tantas figuras no tempo da ditadura peruana, contaminou de acordo com o autor o estilo até hoje praticado na imprensa do país sul-americano. Para Vargas Llosa, é uma imprensa emagrecida e de utilização política, que continua a existir, porque também continua a existir um público para a consumir.

E recriando o romance os piores anos do regime autoritário de Alberto Fujimori (1990-2000), surge a lembrar que as situações limite, como as ditaduras, aguçam nos homens os seus piores instintos. É com este argumento que o autor dá o pontapé de saída para a narrativa, com o epicentro colocado em duas mulheres que pernoitam juntas, despreocupadas das horas de recolher obrigatório típicas da ditadura… Logo se desencadeia uma teia fatídica que ameaça escarrapachar a vida privada nas parangonas dos jornais, com manobras de bastidores ao serviço dos interesses políticos. Disse Vargas Llosa, neste encontro no CCB, que sendo tão frágil a memória dos povos, é de uma enorme importância trazer para o presente os horrores de uma ditadura que é do passado, mas que deixou marcas indeléveis no futuro.  

Pelo meio, Vargas Llosa deslocou a conversa para o conteúdo da Civilização do Espetáculo, um seu ensaio em que desconstrói a cultura do tempo presente e defende que vivemos num «(…) mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento (…)». Neste encontro, o autor desdobrou este racional dizendo que «a cultura que chega a toda a gente não é cultura, porque pelo meio perdem-se as hierarquias». Nesta linha, foi ainda mais longe ao ponto de afirmar que «este mundo de grandes especialistas, pode ser um mundo de grandes incultos».

Por vezes, voltou ao motivo principal da conversa, o seu romance Cinco Esquinas, cujo título remete para um bairro em Lima com o mesmo nome, onde movimentos artísticos espontâneos andavam à época lado a lado com ameaças terroristas, com a insegurança, com o terror. Mas mapeou a conversa também com os outros lugares, para além de Lima, para onde cedo viajou e onde se instalou para viver. Desde logo Paris, cidade que testemunhou a sua aproximação aos escritores que tanto admirava e com quem teve o privilégio de conviver, como Sartre, Camus, Flaubert… A Flaubert, aliás, fez nesta sessão uma verdadeira homenagem. «Ser escritor é, fundamentalmente, um trabalho.», disse Vargas Llosa. E foi essa capacidade de trabalho que o escritor reconheceu a Flaubert. «Não tendo na origem um talento literário por aí além, construiu com muito trabalho uma obra de génio.», disse.  

Minhas senhoras e meus senhores: Vargas Llosa reforçou aqui aquilo que todos nós sabemos bem (mas que é sempre bom ouvir da boca daqueles que admiramos)… «A literatura cria o tipo de cidadãos que a sociedade democrática precisa, com espírito crítico, tão essencial à cidadania.» Disse mais: que «a boa formação literária exige esforço intelectual, mas enriquece a vida».

Ficámos a saber que os seus tantos livros estão hoje espalhados por Lima, Madrid e Paris. E sobre Lisboa aplaudiu as suas tantas livrarias. Deixou-nos ainda cheios de orgulho porque admitiu regressar, não raras vezes, ao Livro do Desassossego (de Bernardo Soares, ou de Pessoa, como quiserem), que diz ser «uma obra-mestra». Sobre as grandes personalidades do mundo contemporâneo, deixou no ar a pergunta – «Quem é melhor que Mandela?» – e elogiou Obama, pelo «magnífico governo» que fez.

Deixou-nos, por fim, uma revelação: está neste momento a escrever um ensaio sobre a influência da cultura na política e vice-versa. O mundo inteiro ficará à espera. Para me distrair e encurtar já esse tempo de espera, coloquei-me discretamente na fila para o previsível autógrafo, que ganhei. Enquanto o mesmo foi escrito, tive a sensação de ter Vargas Llosa (por um segundo) a escrever para mim…

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