De referência de destaque da literatura alemã do século XX a nome de culto em todo o mundo, Prémio Nobel da Literatura, Hermann Hesse vive uma profunda transformação numa viagem à Índia, originando Siddhartha. A materialização de uma forma peculiar de estar, numa conciliação entre a vida ativa e uma espiritualidade viva.

Seguimos, nesta espécie de poema indiano, um ser chamado Siddhartha que, depois de uma infância e uma juventude isentas de miséria ou privações, decide num determinado momento introduzir-se numa peregrinação privada de luxos, Índia fora, o seu país. A viagem que cumpre é longa e existencial e evolui, entre entregas excessivas a prazeres e jejuns decididos, até à descoberta sobre o «caminho do meio».

Neste romance, incrivelmente atual e necessário, surge-nos então o filho do brâmane, por todos amado, capaz de fazer feliz os demais à sua volta, mas incapaz de sentir em si a felicidade. Em busca da «Fonte Primordial no fundo do Eu», abandona a casa do pai para se juntar aos ascetas. Numa busca contemplativa, experimenta esvaziar-se de si próprio em sucessivas experiências bem sucedidas e, ainda assim, testemunhas de novos ciclos de sofrimento, numa validação desanimadora da infelicidade. Pelo caminho, cruza-se com Buda, é aprendiz de ensinamentos múltiplos, seguidor de doutrinas e outros mestres, divaga, até se estabelecer numa nova forma de ser, despindo-se de um velho Siddhartha, «da mesma maneira que a cobra abandona a sua pele antiga». Entendeu que queria ser o seu próprio aluno, aprender consigo mesmo, «(…) conhecer esse segredo chamado Siddhartha». Projetado na força simbólica do rio («podemos aprender tudo com ele», refere), encontra-se consigo e, no fundo de si (único refúgio para o «rumo firme»), sinaliza o único lugar para a descoberta do «Eu».

Siddhartha consiste num tratado fundamental sobre a importância da paciência e da escuta interior na busca da própria essência, chamando a atenção (numa das suas passagens mais relevantes) para aquilo que podemos descobrir versus encontrar e aí ficar ou seguir em busca do que verdadeiramente somos:

« – Quando alguém procura – respondeu Siddhartha – pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objetivo, porque está possuído por esse objetivo. Procurar significa ter um objetivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objetivos. Tu, Venerável, és talvez um homem à procura, pois, perseguindo o teu objetivo, muitas vezes não vês aquilo que está perante os teus olhos».

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