Corre o ano de 1975. Uma cidade: Luanda, na véspera da Independência. Uma portuguesa, Ludovica Fernandes Mano, tratada como Ludo, desassossegada com o rumo dos acontecimentos, ergue uma parede para dividir o seu apartamento do resto do edifício e, por conseguinte, do resto do mundo. Aí permanece ao longo de 28 anos, isolada, entrincheirada, distanciada do outro. É este o argumento à volta do qual José Eduardo Agualusa desenvolve o seu livro, premiado, Teoria Geral do Esquecimento (2012), um tratado sobre o medo do outro, o racismo e a xenofobia, mas também sobre o amor e a redenção. Não muito longe, simbolicamente, é certo, do que hoje (vi)vemos.

Ludo, após a morte dos pais, permaneceu em casa da irmã, de onde raramente saía, e onde angariava «algum dinheiro lecionando português a adolescentes entediados». Começava então a respirar-se a presença incómoda dos colonos. «Ninguém os queria ali. Um ciclo se cumprira. Começava um tempo novo». Precisamente na véspera da Independência de Angola, já sem a irmã e o cunhado que a haviam arrastado de Aveiro para Luanda, desamparadíssima, ergue o muro, para lá do qual escrevia desabafos transformados em memórias: «Os dias deslizam como se fossem líquidos. Não tenho mais cadernos onde escrever. Também não tenho mais canetas. Escrevo nas paredes, com pedaços de carvão, versos sucintos, poupo na comida, na água, no fogo e nos adjetivos». Para lá desse muro, «contemplava as nuvens e vis alforrecas. Ganhara o hábito de falar sozinha, repetindo as mesmas palavras horas a fio».

Numa linha paralela ao enredo, vão surgindo personagens interligadas entre si e ancoradas no mesmo tema basilar do esquecimento. Jeremias Carrasco, um oficial português capturado e executado por guerrilheiros africanos. Monte, um assassino conotado com o tempo revolucionário e esperançado de viver na penumbra, atrás de uma memória não revelada de um passado de terror. Daniel Benchimol, jornalista, o colecionador de «histórias de desaparecimentos em Angola».

Teoria Geral do Esquecimento é uma história cruel, ilustrativa do humano feroz e de uma Angola sem estratégia e sem rumo. Entre os escombros, porém, encontramos uma oportunidade para o amor, a esperança e a apologia de que no sonho tudo pode começar e de que no erro nos podemos encontrar.

Comprei este livro em maio de 2012, na Feira do Livro de Lisboa, num dia em que tive o privilégio de encontrar por lá o autor e de com ele marcar na memória o momento, com uma fotografia que corajosamente lhe pedi. Para não esquecer.

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