Neste último fim de semana, assisti a mais um documentário fabuloso na RTP2, desta vez de Miguel Faria Jr.: “Chico Artista Brasileiro”. Somos desde logo envolvidos e levados a conhecer melhor o percurso de um dos nomes maiores da cultura e da música brasileiras, com testemunhos na primeira pessoa e vários outros deste e de outros tempos. Com várias interpretações musicais alternando, como se de atos teatrais se tratasse. Com o imaginário coletivo de um país riquíssimo na música, no pano de fundo.

Chico Buarque, com as suas próprias palavras, fala-nos dos seus métodos de trabalho e do processo criativo. «A composição musical ou o meio da literatura se alimenta disso o tempo todo: a matéria da imaginação, que tem a ver com a memória, a memória real e a memória falsa».

E é entre memórias que vai tiritando. Entre as primeiras, surge com especial força sua mãe cantando. Com o pai, historiador, sociólogo, tinha uma relação difícil. Para chegar ao seu escritório, tinha de atravessar todo um caminho e foi através da literatura que trilhou esse caminho para conquistar o pai. Aprendeu muito lendo em francês, nomeadamente os russos. Passou a infância em São Paulo. Já as férias eram no Rio de Janeiro. A determinada altura, o pai foi chamado para lecionar em Roma durante dois anos e aí Chico Buarque foi colocado numa escola americana, na qual aprendeu a falar inglês.

Quando volta à memória da mãe, recorda também que a sua não gostava que os filhos virassem artistas e se apresentassem em público. Dizia: «A minha mãe tinha vergonha de ter filhos no showbiz». Mas contra isso terá tido que lutar a sua mãe. Chico Buarque, com apenas 22 anos de idade, fazia estremecer o país com o tema “A Banda” (1966), que todos cantavam alegremente. Chico Buarque de Holanda, como era conhecido, era o novo ídolo da canção popular brasileira. Mas, no início, assumido pelo próprio, Chico Buarque não tinha malícia nem esperteza para lidar com a fama.

Tinha em Tom Jobim e Vinicius de Moraes grandes referências. «Ia a casa do Tom e ele me oferecia músicas no piano para fazer letra. Deu-me músicas de bandeja». Para Tom, como Chico Buarque lhe chamava, «Chico era um grande músico, um grande ritmista, um grande harmonizador, um grande letrista, um grande compositor. Sabe inglês, francês, italiano, sabe tudo».

No tempo em que o seu pai foi morar para o Rio de Janeiro, Chico Buarque foi adotado pela gente de lá: «frequentei a famosa cobertura do Rubem Braga, do Fernando Sabino». Nessas circunstâncias, descobre em conversas longas que o pai tinha tido um filho na Alemanha, facto que origina o argumento do seu livro O Irmão Alemão.

Esteve casado 30 anos e teve 3 filhos. Com a mulher, tinha uma grande cumplicidade. Era a ela que dava o rascunho do que fazia. Hoje, num contexto de pressuposta solidão, diz: «não existe nada parecido com o tédio ou a angústia. Quando chego a casa gosto do meu espaço, porque preciso desse silêncio para trabalhar. Não tenho problema nenhum com a solidão».

Ao olhar para trás, recorda o tempo da censura, os problemas com o que escrevia e a obrigatoriedade imposta para trocar versos nos poemas, numa rígida pressão à criação. Chegou a ser apelidado pelos jornais como ativista. O homem a quem é reconhecida uma exigência fora do normal, advoga que «valeu a pena brigar para ter a democracia que temos hoje». Chico Buarque não tem «nostalgia do tempo passado». É um homem com os olhos no futuro.

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