No número 3 da Rua de S. Pedro de Alcântara, entre o Chiado e o Príncipe Real, deparamo-nos com um edifício polido e recuperado, com uma livraria como porta de entrada. Sem me aperceber de que estava à frente da Brotéria, casa de cultura dos jesuítas portugueses, foram precisamente os livros que me chamaram. Eles e uma exposição de arte que se avistava da rua. Só depois, já dentro, me dei conta de que estava no espaço magnífico da Brotéria, sobre o qual me havia interessado já pela dinâmica, os diálogos que estabelece, a centralidade que atribui à palavra e ao pensamento. A relação que faz com a cidade que habita e com quem nela habita. A ponte entre o religioso e a cultura. A arte e a espiritualidade.

Neste espaço atento à cidade e aos seus habitantes, a proposta de uma abordagem cultural circular faz-se desde logo a partir dos livros exibidos à entrada, como disse, e da atual exposição de arte visual: CORIUM. Criada pelos ABCC, uma dupla de artistas plásticos formada por Bernardo Simões Correia e Alexandre Camarao, CORIUM reúne um conjunto de imagens que materializam em acrílicos expostos uma parafernália de conteúdos digitais. Não é o que captamos para difundir no digital que importa, mas o que a partir do digital chamamos para endereçar o nosso olhar num território físico e presencial.

Centradas no que vemos na Internet, as imagens apresentadas apropriam-se de «detritos» capturados no digital para, fora dele e com uma estruturação definida, se proporem promover um pensamento estético específico. A matéria com a qual somos confrontados a cada segundo em redes sociais, blogues, sites e afins surge agora captada pela visão artística de dois intérpretes da realidade virtual. Encontram-se entre os elementos focados apontamentos tribais, imagens icónicas, máscaras ritualísticas, um espanta-espíritos, um relógio, uma tatuagem.

O desafio lançado pela Brotéria aos artistas para esta exposição consubstanciou-se na possibilidade de pensar em «marcas que se inscrevem na pele», daí o surgimento de CORIUM, «nome latino dado à camada de pele que se encontra entre a epiderme e os tecidos subcutâneos». É para esta perfuração entre o que está dentro e o que está fora, o que se vê e o que não se vê, o que está à tona e o que reside numa camada inferior, que CORIUM  nos remete, num «processo invertido»: do virtual trazido para a realidade ou, se quisermos, da realidade a partir do virtual.

Acabamos por perceber, espontaneamente, que a grande mensagem proposta pela exposição, subjacente à da própria Brotéria, consiste na absoluta necessidade de estabelecer um diálogo, útil e essencial, entre o real e o digital, o digital e o real. E o que de humano daí subsiste.



 + Informação Brotéria

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