Já aqui falei de um outro livro de Rosa Montero, A Louca da Casa, expressando a enorme admiração que tenho pela autora. Se nesse ensaio riquíssimo Rosa Montero faz um tributo teórico e abstrato à memória e à identidade, n’A ridícula ideia de não voltar a ver-te (livro que comprei para me oferecer no meu dia de aniversário), a escritora madrilena narra sobre a memória de Marie Curie e, embora com muito menos detalhes, a sua própria memória, convergindo aquilo que ambas têm em comum: a perda inesperada do respetivo marido. Num estilo de novo surpreendente (para quem não conheça nenhum dos seus livros), Rosa Montero aborda a sabedoria e a capacidade de gozar em plenitude a existência, porque, afinal, a morte tem neste livro um papel preponderante. Comparável ao do nascimento. «Só nos nascimentos e nas mortes saímos do tempo; (…) Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente parte-se ao meio e deixa-nos espreitar por um instante a frincha da verdade (…)». Este livro valeria só por este pensamento… é de uma profundidade! Quem não experienciou isto? Mas a par e passo com a morte e o nascimento andam em A ridícula ideia de não voltar a ver-te a importância da ciência, a condição da mulher em áreas – como a ciência – que tanto se dizem consagradas ao género masculino e, ainda, a atribuição à mulher (e seus contornos) de um Prémio Nobel. Marie Curie, de quem Einstein foi muito amigo, nasceu na Polónia em 1867 e recebeu dois prémios Nobel: em 1903, em parceria com o marido Pierre Currie, o Nobel de Físisca e, em 1911, a título individual, o Nobel de Química. Marie Curie foi a primeira mulher a lecionar na prestigiada Universidade de Sorbonne, em Paris. A radioatividade deve até hoje a Marie Curie as principais e mais elementares descobertas científicas na área, com destaque para a criação de uma ponte entre a Física e a Química. Rosa Montero é perentória: «A singularidade profissional de Madame Curie foi uma singularidade absoluta numa época em que às mulheres quase nada era permitido». Na intrepidez de Marie Curie, Rosa Montero localizou também um preço alto a pagar por «(…) ocupar lugares nunca antes pisados por mulheres (…)». E quando Rosa Montero foi desafiada por uma editora a escrever um prólogo para um conjunto de anotações biográficas de Marie Curie, não se segurou na vontade de ir mais longe e «(…) usar a vida dela como medida para entender» a sua. Para lá do constrangimento da morte e do luto, Rosa Montero viu com clarividência um apelo à incessante reinvenção. «Quando nos libertamos da ilusão da nossa própria importância, tudo mete menos medo», adverte Rosa Montero na sua apologia da vida, ainda que sobre a dureza da morte e as razões (mais ou menos previsíveis) que levam até ela. No caso de Marie Curie, as mesmas que a tornaram mundialmente conhecida e sem as quais a ciência (e, de certa forma, também a condição da mulher) teria ficado mais pobre.


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