Há em Lisboa uma casa que é de todos. E que acaba de reabrir, mais sustentável, com uma nova exposição, melhor acessibilidade e um auditório mais dotado de equipamentos. É a Casa Fernando Pessoa, localizada na Rua Coelho da Rocha, em Lisboa. Onde sempre esteve desde o tempo em que o poeta maior, Pessoa (1888-1935), lá residiu nos últimos 15 anos da sua vida. E que agora nos acolhe de cara lavada.

A visita começa pelo último andar, o terceiro. E aí encontramos o núcleo dedicado aos heterónimos e à diversidade a eles inerente. Damos de caras com um claim que entra pelos olhos e em eco pelos ouvidos, escrito à mão: «Sê plural como o universo!». Uma colaboradora da Casa Fernando Pessoa, conhecedora da vida e da obra do autor (o que seria expectável, é certo), mas sobretudo com uma atitude de eterno espanto e admiração pelo percurso de Fernando Pessoa, introduz vários pontos de reflexão. Refere-se à letra do autor, tão bonita e certinha, em detrimento da famigerada máquina de escrever, também exposta, mas cuja utilização esteve mais ligada à atividade profissional e menos à atividade literária. Mencionou a importância de Durban, a cidade sul-africana onde fez a escolaridade e que em muito contribuiu para a formação do pensamento e as referências de outros escritores tão vastas que ganhou. Chamou a atenção para o Palrador, o primeiro projeto editorial de Pessoa, por si criado aos 13 anos de idade, com uma equipa de colaboradores com funções rotativas ao longo dos cinco números existentes, publicados entre 1902 e 1905. Pelo meio, o quadro inconfundível de José de Almeida Negreiros e, em pano de fundo, um quadro biográfico dos cinco: Fernando Pessoa; Ricardo Reis; Alberto Caeiro; Álvaro de Campos; e Bernardo Soares. No final, a pergunta que se impõe: «Quantos sou?».

Ao descermos ao segundo andar, encontramos a sua biblioteca particular, agora quase completa e tão diversa, imprescindível para compreendermos a própria obra. Apercebemo-nos de que na sua estante, conservadíssima, estavam incluídos em dose significativa títulos da literatura inglesa e nas edições originais trazidas do tempo em que viveu na África do Sul: Milton, Poe, Shakespeare ou Whitman. Entre os portugueses, vemos o Princípio de Mário de Sá-Carneiro ou as Reflexões sobre a Língua Portuguesa, de Francisco José Freire. Muita poesia. E o que, para além da diversidade temática e da representação das mais amplas áreas do saber, nos deixa pegados às vitrinas são as anotações feitas por Pessoa à margem dos seus livros, que fazia questão de assinar. As notas por si escritas nos diferentes livros conferem a alguns deles, aliás, o estatuto de Tesouro Nacional, à luz de um decreto de 2009. Num espaço contíguo à biblioteca pessoal, temos à nossa disposição uma mesa corrida com vários dos seus livros e uma placa exibida contendo outro claim que interiorizamos: «Ler é sonhar pela mão de outrem».

Ao descermos ao primeiro andar, o último na sequência da visita, permanecemos dentro do espaço da casa e entre alguns dos seus objetos que continuam a suscitar interesse e curiosidade: os óculos, o bilhete de identidade, a cómoda alta que terá dado origem à génese dos heterónimos. Nesta Casa Fernando Pessoa renovada, recentemente reaberta ao público, somos postos em contacto com móveis com gavetas, múltiplas surpresas, objetos escondidos, num desafio permanente à exploração e imersão no espaço de residência dos últimos anos de vida do autor. E num ímpeto, no fundo, a sermos positivamente contaminados pela irreverência, a relevância e a atualidade da obra e do pensamento daquele que foi, afinal, tão plural como o universo.


 + Informação Casa Fernando Pessoa

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