Passar a pente fino Díli
No regresso a Díli, cumprimos todo o percurso ao contrário: Tutuala, Baucau, Manatuto, Díli. Chegámos já era noite cerrada, depois de praticamente um dia inteiro de viagem. Nos dias seguintes permanecemos em Díli, cidade que quisemos passar a pente fino com o olhar interrogativo de quem vê de fora, de quem vê de novo.
No Mercado de Tais, onde se vendem os tradicionais tecidos timorenses, pude constatar uma espécie de metáfora gráfica da própria cidade. É que nas ruas de Díli é possível encontrar aqui e ali, dispersos, uma série de vendedores de tais e outros transeuntes que se passeiam vestidos de tais, como se de uma indumentária oficial se tratasse. Nesse aglomerado de cores vivas, as partes mais degradadas da cidade quase que se apagam e escondem.
No emblemático Cemitério de Santa Cruz, no corredor calcetado e ilustrando a cruz de Cristo, foi possível sentir o arrepiar das terríveis lembranças que assolam as gentes de Timor-Leste.
A caminho de um hospital desativado, localizado num dos pontos altos da cidade, parámos na residência oficial do então Presidente da República, José Ramos-Horta. Dali, a vista para a cidade e as suas montanhas envolventes tornou-se ainda mais fascinante.
Como prova da capacidade de reconstrução psicológica das gentes magoadas pela violência, surge a Arte Moris, uma comunidade de artistas que transforma Díli numa cidade com valências sociais fora do comum, onde nos imiscuímos com olhar deslumbrado.
Para lá de Díli, quase a encerrar uma das melhores semanas das nossas vidas, estivemos ainda na vila costeira de Maubara, situada a oeste da cidade de Liquiçá. Em Maubara, para além dos adereços de artesanato que nos conquistaram, deixámo-nos uma vez mais deslumbrar pelo olhar negro mas profundo das gentes timorenses. Como num acorde musical magistralmente equilibrado, olhavam-nos no reconhecimento respeitoso de que cada um tem o seu espaço, o seu lugar, a sua história.
A história que, no Memorial de Dare, naquela manhã em que me arrumava para o check in no aeroporto e o regresso a Portugal, me ocorreu escrever logo que chegasse a Lisboa e pudesse comprovar, como se de tal precisasse, que a luz a incidir em Díli, afinal, é mesmo tão parecida com a que ilumina as colinas da capital portuguesa e os morros do Rio de Janeiro… Tanta luz, tanta cor… Poderá ser dos tais ou coisas que tais, que fazem das gentes que ficam na história, as gentes da história da gente…
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