Este foi o primeiro livro que li em 2024. Somos a primeira pessoa do plural é sobre nós e sobre os outros. «Entender os outros não é uma tarefa que comece nos outros». Qualquer entendimento parte sempre de nós. «Os outros até podem garantir que estamos a entendê-los. Mas essa será sempre uma fé. Aquilo que entendemos está fechado em nós. Aquilo que procuramos entender está fechado nos outros».

José Luís Peixoto, num tom ora literário, ora filosófico, ora poético, habituou-nos a um registo na sua obra que não é diferente nesta leitura: a capacidade de escavar ao interior de cada um de nós, face à imaginação do que é o interior dos outros e àquele meio caminho em que nos encontramos (nós e os outros) e aproximamos ou distanciamos. No limite, surge uma posição privilegiada para encontrarmos o nosso próprio lugar: «Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso». E o significado da nossa existência: «Levo comigo uma origem e um destino. Levo comigo um sentido».

«A vontade de reconhecer os melhores momentos da minha vida no instante em que estou a vivê-los, dá-me a lucidez de estar sempre alerta para a felicidade. É essa a minha sorte». Nas palavras de José Luís Peixoto, entre as 20 crónicas curtas (se quisermos chamar-lhes assim) que compõem o livro, encontramos um permanente sentido de gratidão, uma certa noção de sorte, um apelo a uma presença inteira onde quer que se esteja.

Há também neste livro uma proposta de reflexão sobre esse território de pluralidade em que cabemos nós e os outros e que é muito mais efetivamente plural, rico e irreverente do que o lugar individual, apesar de um certo «invisível que nos afasta». E avança: «O nosso problema grande é estarmos convencidos que os problemas deles não nos dizem respeito».

Através das palavras que escolhe a dedo, aquelas «palavras que sabem tudo», o autor introduz-nos ainda a ordem e a loucura que em simultâneo encontramos num poema. No poema que sempre pergunta: «quem sou?». Adicionalmente, fala-nos das histórias que dão corpo à nossa vida, da narrativa implícita ao que somos. E da memória, qual «almoço de domingo», que molda a identidade que temos. A identidade que somos.

Este livro é, em síntese, um inventário de pensamentos que traduzem a vida na sua plenitude, desde a raiz ao destino, com todas as suas ramificações, caminhos e bifurcações. Mas o que este livro ainda contém, na relação em que nos coloca com os outros e com a História, é um alerta sobre esse lugar que ocupamos na Humanidade: «A vida é muito maior do que apenas a nossa vida».

Somos a primeira pessoa do plural, José Luís Peixoto 72

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