Esta é uma obra literária que mescla ficção, memórias, ensaios e relatos de viagem, num tom irónico sublime e latente, que ora fala verdade, ora fala mentira, com espaço ainda para um terreno a meio caminho, o da metáfora, que na visão do autor pode confundir-se com as «baleias».

Publicado em 1983, este livro de Antonio Tabucchi reflete a profunda ligação do autor a Portugal e, em especial, aos Açores, região onde decorre a maior parte das histórias narradas. E, embora fiquemos a assistir a paisagens físicas descritas nas palavras literais que nos transportam para as várias ilhas açorianas, até com dados muito concretos sobre frutas, tipos de árvores ou lugares específicos, é-nos dada também neste livro uma apologia simbólica da alma e do destino de cada um: «(…) pena do que não foi e que poderia ter sido, que é a pena mais atroz».

A obra é composta por uma série de textos curtos, aparentemente desconexos, mas formando uma espécie de mosaico literário. Essa estrutura fragmentada reflete uma das marcas registadas de Tabucchi: a habilidade de capturar momentos efémeros e transformá-los em narrativas que, embora breves, são densas e carregadas de significado. A própria Mulher de Porto Pim, que dá título ao livro, é uma figura que emerge mais como um símbolo do que como uma personagem central, representando o mistério, a saudade e a intangibilidade das memórias. «A história no fundo é banal, é o fim de uma relação, mas todas as histórias são banais, o importante é o ponto de vista, e eu escolhi o da mulher, é ela a verdadeira protagonista».

A prosa de Tabucchi é liricamente rica, imbuída de uma sensibilidade poética que faz de cada página uma reflexão sobre o tempo e o espaço. A atmosfera dos Açores é evocada com uma precisão que transmite ao leitor a sensação de estar imerso nas ilhas, com os seus ventos, mares e histórias antigas. Ao mesmo tempo, Tabucchi explora a ideia da insularidade, não apenas como uma condição geográfica, mas também como uma metáfora para o isolamento humano e o distanciamento do passado.

Nessa arte de andar à deriva pelas várias ilhas e pelas deambulações da memória, o livro é desafiador devido à falta de uma narrativa linear e de um enredo coeso. A fragmentação, embora rica em nuances, exige uma leitura mais reflexiva e menos orientada para a procura de uma história convencional. O olhar de Tabucchi, apesar de profundo e apaixonado, é o de um estrangeiro, o que pode levar a uma representação dos Açores que, embora respeitosa e detalhada, é inevitavelmente marcada por uma certa idealização ou distanciamento cultural.

Mulher de Porto Pim desafia as expectativas e convida à contemplação. É um livro que se aprecia mais pelas suas atmosferas e reflexões do que pela sua trama, sendo um excelente exemplo da capacidade de Tabucchi de transformar o ordinário em extraordinário, explorando temas universais, como a memória, a identidade e o sentido de pertença. Na raiz desta leitura, encontramos sempre uma incondicional profundidade filosófica: «Sempre escolhi o demais na vida e isso é uma perdição, mas não há nada a fazer quando se nasce assim».

Mulher de Porto Pim, Antonio Tabucchi 72

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