Madrid é cidade de regressos. Podemos ir e voltar todas as vezes possíveis. Tem sempre encanto. Não necessariamente o mesmo, porque os nossos olhos alteram-se, evoluem. Mas há sempre um olhar de espasmo, de observação do novo, de contemplação, como o gato que espia o rato. Conheci a capital espanhola, pela primeira vez, na transição de 2006 para 2007, numa passagem curta, mas intensa, de réveillon. Voltei em 2011 para uma visita maior e mais detalhada, com a extraordinária Guernica de Pablo Picasso incluída, claro, mas excluindo (com pena, muita pena) o Prado. As grandes cidades obrigam a escolhas. E como regressei agora, em pleno outubro de 2018, levei comigo esse hot topic.

Uma nota de destaque, desde logo, para a Mesa de los Pecados Capitales e o Tríptico del Jardín de las Delícias ou, ainda, a magnífica La extracción de la piedra de la locura, de El Bosco (como em Espanha é chamado), precisamente, no Museo Nacional del Prado. Também conhecido como Hieronymus Bosch, o pintor holandês dos séculos XV e XVI é absolutamente magnânimo. Fiquei impressionada com a beleza, a luz, a cor, o significado das suas obras expostas no Prado. Podemos ficar horas, embevecidos e estupefactos, a olhar para a sua obra mais complexa e enigmática, o Tríptico del Jardín de las Delícias, que interpreta o destino da humanidade, numa alusão factual ao pecado e à transitoriedade dos prazeres. Na Mesa de los Pecados Capitales volta ao pecado e às suas consequências, numa referência à perda desmedida da razão, mas com uma sinalização da esperança sempre em permanência, materializada na omnipresente figura de Deus.

O Prado, que em 2019 celebra 200 anos, obriga a uma escolha cirúrgica das obras. Depois de El Bosco, foquei-me em Rembrandt e na sua Judit en el banquete de Holofernes (antes Artemisa), que encerra uma alegoria sobre as mulheres heroínas da Antiguidade e do Antigo Testamento que o pintor retratou entre 1633 e 1635. Também Rafael, com a perspicácia na tela a óleo da sua obra El Cardenal, fixando minuciosamente a imagem universal de um cardeal do Renascimento. Ou, ainda, da obra reveladora da independência artística de Caravaggio, David vencedor de Goliat.

Num outro momento em Madrid, entre as deliciosas tapas madrilenas, surge obrigatório o Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, onde também devemos escolher criteriosamente as obras que queremos ver. Destaco Habitación de hotel, de Edward Hopper, retratando o cansaço e a solidão de uma mulher desconhecida, despida de pesos, sentada à beira da cama, sem forças para desfazer malas e de olhos postos nos horários do comboio a tomar no dia seguinte. Mujer en el baño, de Roy Lichtensein, numa evidência à afirmação da cultura popular que, nos anos 60, se posicionou face à expressão abstrata. Ou Richard Estes, com Nedick’s, que integra uma geração de artistas que se dedicou a pintar cenas da vida de Nova Iorque.

O passeio segue pelas principais artérias de Madrid, caso da Calle de Serrano, a Alcalá, a Velázquez ou a José Ortega e Gasset, no bonito Barrio de Selamanca, com o Retiro sempre por perto. No regresso a Lisboa, fui apanhada na curva de uma avaria nos sistemas de radares, no aeroporto de Lisboa, que me levou de volta a Madrid, em mais uma simbologia do regresso.


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