Nesta linha fugaz entre o velho e o novo ano, gosto de fazer o balanço das leituras concretizadas, porque nesse depósito de memórias acondiciono muito do que aprendi, refleti e vivi. Não há melhor metáfora para a vida do que a literatura. Eu não conheço, pelo menos. E, por isso, é sempre à literatura ou, melhor, é aos livros que vou tantas e tantas vezes buscar, avidamente, referências para fazer a minha vida. Porque a vida faz-se, do meu ponto de vista. Como o oleiro com o barro nas mãos, e as mãos no barro, na oficina.

Em 2025, foram 18 os livros que li. Vamos olhá-los, um a um. Como num balanço, precisamente, de oficina.

O primeiro, vindo dos últimos dias de 2024, e que me acompanhou no início do ano, inclusive num voo perfeito para o Funchal, foi A Última Conversa com Agostinho da Silva, conduzida por Luís Machado e com Prefácio de Eduardo Lourenço. Nele, mergulhamos numa figura com sabedoria de vida, frases proféticas, ideias sem sombras, de uma existência firme. Pertinente para iniciar um novo ano.

A Esperança, A Autobiografia, do Papa Francisco, que me foi oferecido pelos meus filhos no meu aniversário, é o primeiro testemunho de vida escrito na primeira pessoa por um Papa, no ativo. Bebemos, neste belíssimo documento referencial, de uma fonte bibliográfica que a todos nos serve como fonte de uma radical esperança. Como de resto o próprio Papa Francisco o foi. E é. Ainda do Papa Francisco, li a encíclica Fratelli Tutti, um documento profundo sobre fraternidade e amizade social, publicado em 2020 como resposta a um mundo fragilizado, propondo uma cultura do encontro e do amor fraterno, inspirada em São Francisco de Assis, com foco na superação de conflitos e diferenças e no respeito pela dignidade de cada pessoa, o diálogo e a solidariedade universal.

Em Corpo Casa, de Rupi Kaur, um dos nomes mais promissores e desconcertantes da poesia contemporânea, indo-canadiana, entramos numa análise ao nosso território familiar, comunitário, coletivo, para conhecermos de onde vimos, ondes estamos e para onde desejamos ir, num confronto assaz – e marcada pelas próprias ilustrações da autora – com as grandes perguntas que nos testam experimentadores de aspirações, ambições e sonhos.

Segui, numa mudança assertiva de cenário bibliográfico, mas alinhada com tantos dos meus vários outros interesses e derivas, para a leitura de Os Seis Hábitos de Alta Performance, de Brendon Burchard. Aqui, encontramos uma dissertação da visão aristotélica de que a excelência se consubstancia em hábitos, disciplinas e foco. Dos seis hábitos mapeados pelo autor norte-americano, três são da esfera pessoal: procurar clareza, produzir energia e promover a necessidade; e os restantes três constituem competências sociais: aumentar a produtividade, desenvolver influência e demonstrar coragem.

Do britânico James Wood, li A Coisa Mais Próxima da Vida, um ensaio absolutamente tocante à volta do sortilégio da leitura, pela mão de um autor, que é ele próprio um leitor apaixonado expondo a capacidade de a ficção nos aumentar e fazer de cada um de nós melhores observadores do mundo em que vivemos.

Com saudades da sua magnífica escrita e do seu estilo acutilante, regressei a Elena Ferrante e, como apreciadora incorrigível que sou dos livros sobre livros, para ler As Margens e a Escrita. Aqui, assistimos a uma incursão pelos caminhos aventurosos da escrita e dos seus meandros e, em concreto, pelas próprias aventuras de iniciação de Ferrante na escrita.

E como vai acontecendo todos os anos, voltei a José Tolentino Mendonça, para ler dois livros: A Vida em Nós e o recentíssimo Para os Caminhantes Tudo É Caminho. A Vida em Nós é uma proposta de resistência e atitude de combate face à superficialidade dos dias. Em tempos marcados pela velocidade e pelo excesso de ruído, Tolentino Mendonça convida à lentidão, à atenção e à gratidão, numa espiritualidade capaz de encontrar sinais de eternidade nas pequenas coisas, aparentemente banais. Em Para os Caminhantes Tudo É Caminho, observamos a escuta como território congenial à vida: escutar o tempo, escutar o outro, escutar aquilo que em nós resiste a ser nomeado. Num mundo saturado de discursos e palavras vãs, Tolentino Mendonça propõe uma espiritualidade da atenção, onde a palavra vale quando (re)nasce de um silêncio habitado.

Descobri, ainda, Este livro não é para fracos, de Ana Moniz. Partindo de casos paradigmáticos da psicologia e englobando diferentes geografias e retratados, a autora expande cada conclusão científica para uma apologia estruturada de diferentes áreas de análise da coragem, como se de laboratórios (humanos) falássemos. A partir desta generalização da coragem, somos remetidos para uma espécie de sebenta conclusiva de cada capítulo, a recomendar estratégias e táticas de interação com as crianças. E eis que entramos no reino da relação entre pais e filhos, filhos e pais.

Emprestado pelo meu filho mais velho, curiosamente, li A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, um livro que me deteve embevecida na trajetória do aristocrata inglês Phileas Fogg, para honrar a corajosa aposta feita com os membros do seu clube em como daria, e deu – sabe Deus como! – a volta ao mundo em 80 dias. Cumprida a leitura, serviu esta experiência para trocar impressões com o primogénito, numa interminável e amada conversa sobre livros e seus autores, estilos e ideias.

Este foi também o ano de voltar, no verão, a Clarice Lispector, com a leitura de Um Sopro de Vida, indagação sobre o sentido da existência e o ato de escrever em liberdade. Um homem e uma mulher, ambos escritores, questionam-se no reflexo um do outro sobre o ambiente criativo e o papel que lhes reserva o mundo fora da escrita. Ficamos absorvidos numa contemplação interminável sobre quem é o criador e a criatura.

Estreei-me também nas férias de veraneio na obra de Paulina Chiziane, com a leitura de O Alegre Canto da Perdiz, que relata a vida de Delfina, uma mulher bonita dos contrastes, dos conflitos, das confusões e contradições, retratando a história da figura feminina africana e da apocalíptica perda do sonho, num território onde os papéis sociais tão específicos nos dão pistas para pensarmos o mundo como ele ainda tantas vezes é.

Outra das leituras que caracterizou o meu verão, em 2025, foi Visitar Amigos e outros contos, de Luísa Costa Gomes, em que folheamos 13 contos inéditos coligidos sem uma ordem impressa, com temas do dia a dia, mas sem tom trivial, a fazer lembrar a ironia cáustica do brasileiro Nelson Rodrigues nas suas eternas crónicas sobre a vida como ela é.

E corria, de facto, ainda, o verão quando a empreendedora Cristina Moura Rebelo me convidou para escrever o Prefácio do seu livro Atreve-te, que me levou a uma reflexão de vida sobre o que o empreendedorismo, efetivamente, é e eis que surgiram na minha memória os meus avós maternos e a sua inspiradora história de vida, sobre a qual falo no texto. Neste livro da Cristina, com assinatura artística de Teresa Neves Rocha e Posfácio de Rui Pedro Bairrada, impõe-se uma pergunta: um empreendedor só avança quando estão reunidas todas as condições? E outra: essas condições estão, porventura, em algum momento, absolutamente todas reunidas? Não tenhamos ilusões. Para as mulheres, então… E, precisamente por isso, este livro que a Cristina nos entrega simboliza uma inigualável capacidade de síntese, com uma visão agregadora de conselhos, dicas, ferramentas e referências de suporte às mulheres que pretendam fazer-se à estrada ou àquelas que, já o tendo feito, enfrentam provações.

O desafio que Jaime Quesado me lançou, a determinada altura em 2025, para moderar um painel com a participação de Armindo Monteiro, Presidente da CIP, Catarina Milagre, Advogada de Direito Público, e Isabel Jonet, Presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, levou-me também à leitura do ensaio Lição de Celebração – 20 Anos, Um Propósito com Confiança, do próprio Jaime Quesado. Este é um exercício comemorativo dos 20 anos do seu primeiro livro, mas sobretudo com o propósito de confiança, como um manifesto de vida, com que percorreu o seu trajeto que, como diz, é um «compromisso entre a vontade e a circunstância».

Quase no final do ano, fui desafiada para ler, comentar e participar num painel a propósito da publicação de Francisco X. Froes, O Networker. Através de uma técnica narrativa a fazer lembrar grandes escritores como Virginia Woolf, no seu fluxo de consciência, o autor fala-nos ao vivo como se numa mesa de café todos estivéssemos sobre as 4 dimensões descritivas das nossas relações com o outro: o tempo, a emoção, a intimidade e a reciprocidade. Chama-nos às perguntas sacramentais que se seguem sobre o networking: «Quando se faz? Onde se faz? Porque se faz? Quem o faz? Como se faz?». Para puxar o fio ao mais importante de todos os princípios: «networking faz-se com uma pessoa de cada vez».

Uma das últimas leituras em que mergulhei em 2025, também fruto de um desafio que me chegou, foi a do primeiro livro de Ana Caldeira: Viagens que Contam o Mundo. Falamos de uma coletânea de viagens que contam o mundo, assinada por uma amiga que o tempo da faculdade me deu para a vida e que me desafiou então a prefaciar este seu ato de coragem que é publicar o primeiro livro, falando-nos ao ouvido sobre a inquietação arreigada nos verbos ir, descobrir, compreender, ligar. Já aterrou em mais de 70 países e, para esta aventura que é escrever, reúne agora os retratos mais intemporais de um conjunto de destinos selecionados, desconcertantes, aos seus olhos como aqueles que, pela sua singularidade, contam efetivamente o (seu) mundo.

Como de resto a literatura faz sobre nós, não apenas quando escrevemos, mas sempre que somamos leituras que, como todas as que aqui listei, nos fazem pular e avançar, como dizia o poeta, como bola colorida entre as mãos de uma criança…

Felizes leituras, em 2026! Feliz 2026!


[Passei ainda, ao longo do ano, por tantos lançamentos que marcaram 2025 e a cujas leituras me dedicarei em 2026, entre os quais destaco: A Chuva que Lança a Areia do Saara, de Ana Margarida de Carvalho; A Cinco Palmos dos Olhos, de Carlos Campaniço; e No Caminho da Poesia, de Carlos Mendes de Sousa.]

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