Chego a este livro por ser uma referência fundamental entre as leituras de Etty Hillesum, jovem judia, nascida em 1914, na Holanda, e cuja vida teve aos 29 anos um trágico fim imposto por Auschwitz. Apesar das suas terríveis circunstâncias, Etty Hillesum manteve ancorada numa espiritualidade acesa uma rotina de leituras, com lugar de destaque para este livro que lemos num ápice, Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke.

Com tradução, prefácio e notas de um outro autor que admiro, Vasco Graça Moura, este livro consiste na correspondência de Rilke com um jovem aspirante a poeta, Franz Xaver Kappus. Acontece que nestas 10 cartas aparentemente apenas alusivas à poesia, como refere Graça Moura, «(…) Rilke aborda questões que são fundamentais para o entendimento da sua própria relação com o mundo, da sua própria poética e da ontologia em que esta assenta». Como o próprio discípulo menciona, estas cartas «(…) importam para o conhecimento do mundo em que Rainer Maria Rilke viveu e criou e importam ainda para muitos dos que estão a crescer ou a fazer-se, hoje e amanhã».

Rilke aponta vários títulos, mas apenas dois indispensáveis: a Bíblia e os livros de Jens Peter Jacobsen (1847-1885), poeta dinamarquês. Nos conselhos dados ao aprendiz da escrita, conta-se o incentivo a olhar para dentro e a procurar dentro a razão pela qual escreve. E que, uma vez dentro do próprio interior, não lhe ocorrerá a necessidade de ter de perguntar a alguém fora se os seus versos são bons. Uma vez feita essa introspeção, Rilke avança e sugere, sempre num tom paralelo e síncrono com o da vida: «(…) aceite o destino e assuma-o, no seu peso e na sua grandeza, sem querer saber da recompensa que poderia vir de fora». E reforça: «Vá ao âmago das coisas: a ironia nunca desce tão fundo (…)». E assim promove um fervoroso desinvestimento nas «superfícies». «Ser artista quer dizer: não calcular e não contar, amadurecer como a árvore (…)», diz Rilke, com a ponta da caneta sempre apontada para a paciência, que diz ser tudo. E, subitamente, fala no amor, sugerindo-lhe que «(…) acredite num amor que está guardado para si como uma herança».

Na sua evidente sabedoria, Rilke remata com uma síntese das três coisas que verdadeiramente importam: paciência; confiança no que é difícil; e solidão entre os outros. Quanto ao resto, diz Rilke, é deixar «acontecer a vida». Porque «(…) a vida tem razão em todos os casos».

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