É centenária. Remonta ao início do século XX, a uma Oliveira do Hospital bem longínqua, com o sentido comunitário típico dos lugares descentralizados e a viver o rescaldo da Primeira Grande Guerra. Falo da Graven, a marca bandeira das botas Swain, que sobreviveu geração após geração e pode hoje ser seguida numa plataforma cuja existência o seu fundador não podia na altura suspeitar: a internet. É lá que hoje a Graven está. Mas já lá vamos.

Na origem das botas Swain estão as mãos habilidosas do Sr. Mendes que, no auge da sua adolescência lá para 1918, recebeu de um mestre artesão uma espécie de certificado vitalício que o viria a introduzir na produção de botas, com o jeito imprimido por todos os seus dedos, nas condições mais domésticas de que ainda hoje há vestígios para salvar a memória. Com arte, a experiência que foi ganhando e o entusiasmo com que o mestre sapateiro o encorajou, o Sr. Mendes, na altura um jovem rapaz, seguiu o ofício que passaria às suas gerações vindouras como o legado e a inspiração para fazer perdurar a história de uma família – e, afinal, de uma indústria, de um ofício, de uma arte – para lá do século. O rapazinho Mendes foi ganhando a tarimba de adulto e a mesma robustez das botas que produzia, em número crescente, não fossem os seus contemporâneos e conterrâneos, muitos deles, não terem sequer um par de sapatos para palmilhar as ruas e as vielas de Oliveira do Hospital. E por isso o negócio das botas era, efetivamente, um bom negócio. Havia muita gente a calçar. E era nos mercados e feiras da vila, hoje cidade, que produtor e consumidores se encontravam. E onde o negócio se consumava e evoluía.  


Graven
Graven7
Graven1
Graven8
Graven6

Com os anos, o negócio acertou-se e as botas ganharam carisma um pouco por toda a zona norte do país. E até para fora de portas. A exportação para as então colónias portuguesas era já certa. Para acompanhar o crescimento, o rapaz que passou a ser tratado por Sr. Mendes escalou paulatinamente as condições caseiras em que originalmente as primeiras botas eram produzidas, à mão, e foi adquirindo máquinas de costura, somando novas ferramentas, contratando pessoas e construindo uma equipa gerida ao estilo da meritocracia. Ao colaborador que produzia o maior número de botas, o Sr. Mendes pagava o maior ordenado. Chegaram a juntar-se 25 sapateiros na oficina.   

Entre os discípulos do Sr. Mendes sobressaiu, a determinada altura, um menino com 12 anos para quem a escola havia ficado por ali. À frente viria uma outra escola, para a vida: dar continuidade ao ofício do seu pai, o Sr. Mendes. Estava, para uma segunda geração, assegurado o legado. Mas a industrialização e o desenvolvimento económico e social que o século XX foi conhecendo confrontaram o descendente do Sr. Mendes com novos desafios. Fazer escalar o negócio, identificar fabricantes e fornecedores e marcar presença em novos canais de distribuição. Estabelecer um novo contacto com o público. Foi assim que o legado da família Mendes se preservou com a abertura de uma loja, melhor dizendo, uma sapataria, onde num diversificado portefólio cabiam outros sapatos para além das botas.     



Como a família Mendes mostrou, ao longo dos anos, dar passos tão sólidos como o podem fazer as próprias botas que criou, a capacidade geracional de reinvenção dos seus autores fez chegar o legado a uma terceira geração. Também os dois netos do Sr. Mendes acabaram por dedicar-se à arte criada pela família no arranque do século XX. Seguiram cada um deles o seu percurso académico, um pela gestão, outo pela engenharia. O primeiro é empresário e quis a sua sina que as suas empresas fossem, lá está, sapatarias. Tem duas, a norte, claro. O segundo instalou-se em Lisboa para uma carreira profissional no setor das telecomunicações e uma pós-graduação em gestão de marcas, de onde nasceu a vontade de criar o próprio negócio. Foi então que a Graven lhe surgiu na cabeça. Foi também então que percebeu que, por vezes, encontramos o nosso destino na estrada através da qual procuramos fugir ao mesmo…  


Graven5
Graven9
Graven2
Graven10
Graven4

Um dia, à procura de uma boa ideia para o seu próprio negócio, decidiu voltar à oficina do avô, numa Oliveira do Hospital menos distante, mas ainda comunitária. Eis que encontrou entre máquinas antigas e ferramentas empoeiradas um par de botas. As botas que o avô produzia à mão, vendia entre as feiras e os mercados locais. As botas que o pai quis incluir num portefólio maior, vendido em lojas. As botas que este neto quis conservar num modelo vintage quase intocável e imaculado, mas adaptado aos dias de hoje, às modas de hoje. Assim nasceu a Graven, a marca umbrela que inclui para começo de conversa as botas Swain, as tais que nasceram há cem anos nas mãos do Sr. Mendes, que calcorrearam as mãos de sapateiros talhados ao longo dos anos, que serviram de exemplo para o pai continuar o negócio e estão hoje à venda numa loja online.

 O avô vendeu as botas no mercado. O pai vendeu-as numa loja. O neto vende-as na internet. É uma marca, mas são três gerações e são cem anos. Com um legado que se adaptou, mas não se perdeu. Transformou-se. E bem. A meu ver.



 + Informação Graven

 

.

error: Content is protected !!