O bom escritor que nos fala das pessoas do antigamente, que eram mais de chegar do que de partir, mais de encontros do que de despedidas, é Ondjaki. Angolano, nascido em 1977, é já autor de várias publicações e reconhecido com vários prémios literários. Não o tinha lido até uma amiga mo recomendar e, generosamente, me emprestar para a primeira leitura Os da minha rua, que acabo de ler.

Ondjaki transporta-nos neste livro, ao longo de 22 pequenas estórias, para um universo tão completo, um espaço simbólico da infância (a fazer recordar a nossa própria), onde de repente os cinco sentidos parecem multiplicados, os cheiros reforçados, a memória preservada. Numa espécie de escrita reconfortante (como o é a infância), o escritor lusófono remete-nos para o sorriso, a gargalhada, a descontração, a tranquilidade, a pureza, a transparência, endereçando um imaginário coletivo de valorização da família, da amizade, do sentido de comunidade, da pertença, da ligação, do abraço. É tudo isto que aqueles que se cruzaram com Ondjaki na sua infância nos recordam, como gotas de água persistentes numa torneira semi aberta.

Ondjaki adianta-nos com palavras simples: «(…) senti que rua não era um conjunto de casas mas uma multidão de abraços». E avança: «(…) a minha rua, que sempre se chamou Fernão Mendes Pinto, nesse dia ficou espremida numa só palavra que quase me doía na boca se eu falasse com palavras de dizer: infância».

Para minha grande surpresa, Ondjaki inclui no final deste livro correspondência trocada com a escritora, também angolana, Ana Paula Tavares, minha professora na Universidade Católica, uma das que ficam na memória. Ana Paula Tavares diz-nos que este livro nos dá conta «de como crescem em segredo as crianças», numa apologia ao «milagre das pequenas coisas».

Os da minha rua levam-nos a isso mesmo: às raízes, ao essencial, àquilo que determina o que se é.

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