Fotografias de Joaquim Morgado, disparadas no lançamento do livro O Networker, no âmbito do qual participei em mesa redonda de reflexão do networking como princípio de vida.

 

Virginia Woolf consagrou na literatura uma técnica narrativa introduzida pela psicologia em 1890, o fluxo de consciência [stream of consciousness], que na ficção nos remete para a vida sequencial do pensamento das personagens, numa alusão ao seu mundo interior e à sua vida psíquica, expressos na escrita. James Joyce, Marcel Proust ou Clarice Lispector seguir-se-lhe-iam e eis que ao ler The Networker, encontro no estilo do autor, Francisco Froes, essa afirmação do pensamento que desliza, página após página, como quem estabelece um diálogo “ao vivo” com o seu próprio pensamento, os seus leitores e esse mundo de inúmeras possibilidades que o networking nos abre.

É de 1893, curiosamente, o primeiro registo da palavra networking e, imagine-se, referindo-se em Inglaterra «a sistemas interligados e complexos de transporte de pessoas e mercadorias por rios, canais e, sim, senhor, caminhos-de-ferro», refere Froes. Mas a verdade é que, se escavarmos o termo até às suas últimas consequências, como o autor o faz, percebemos que a mãe de todas as redes de networking é o cérebro, por um lado, e que a ascendência de todos nós pode estar ligada a 5000 “mães”, por outro lado. Vejamos, então, a profundidade temporal do termo que acompanhamos nesta obra, para evitar que nos situemos nas superficiais trocas de cartões de visita ou nos cocktails de final de tarde, que fazem parte, mas não são networking.

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Marcus Aurelius, referência constante no livro, disse que «nascemos para cooperar» e a isto se juntam a advocacia de Charles Darwin, que diz serem os que colaboram aqueles que prevalecem, e a do filósofo Peter Kropotkin, que defende a colaboração como a lei da civilização, ou ainda a de Tim Cook, que atira a colaboração como a mais importante qualidade que separa os trabalhadores de sucesso dos outros. Bem, no mundo empresarial, o termo networking foi pela primeira vez usado em 1985, num artigo escrito por Bill Lewis, diretor executivo na ACTA — American Consumer’s Telephone Association, para descrever «vendas de nível múltiplo e o seu potencial para construir bases alargadas de clientes». Ora, mas para «lidar com um maior número de indivíduos, é necessária uma capacidade cerebral extra», ou seja, um «cérebro social», reforça Froes no seu tom assertivo. Se juntarmos a esse «cérebro social» o quarteto dos químicos da felicidade do cérebro – dopamina, serotonina, oxitocina e endorfina –, estaremos num patamar de ambição para a nossa evolução incomensuravelmente maior. Com a dopamina, então… «Diz a ciência, 20 vezes mais eficaz que a heroína», refere o autor. Vejam só.

Froes segue para os três grandes eixos que estruturam uma ideia mais profunda de networking: necessidade de cooperação, enviesamento para a mudança e ânsia de saber. A estes pilares, o autor (inter)liga quatro dimensões descritivas das nossas relações com o outro: o tempo («quantidade despendida entre as pessoas»), a emoção («intensidade de emoções vividas»), a intimidade («nível de partilha emocional») e a reciprocidade («valor de serviços trocados»). E eis que aterramos na Teoria dos Seis Graus de Separação e na menção ao networker dos networkers de Hollywood, Kevin Bacon, por ter afirmado que «tinha trabalhado com todas as pessoas de Hollywood ou com alguém que com elas tivesse trabalhado». Surge, pois, neste contexto, o famigerado «“Número Dunbar”, que define o número de relações estáveis que uma pessoa consegue manter: 150. Em média». E, aqui, somos alertados para o espectro efetivamente largo e diverso das nossas relações, não obstante não sejam perdidas de vista as mais de 8 mil milhões de pessoas que habitam o nosso planeta.

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Somos levados pela mão do autor para, entre os meandros do networking, observarmos o perfil de quem o pratica (potencialmente, todos nós, independentemente de quem e de onde sejamos). E surge a Pirâmide das Necessidades, proposta pelo psicólogo americano Abraham Maslow, que nos coloca os pés no chão. Mas também surge o que aspirar: a diferença entre extroversão e introversão, timidez e audácia, num tempo em que, reforça o autor, «é facto adquirido que uma pessoa precisa de ser autêntica para ter sucesso no que se propõe. O que, por outro lado, diria La Palisse, leva uma vida a atingir». Mas também nos é lembrado, recorrendo ao sábio Carl Jung, que «o privilégio duma vida é sermos quem somos».

Bem, feita a chamada de atenção sobre de que massa somos feitos, porque somos todos afinal diferentes, ainda que bastante iguais na essência humana, Froes introduz a tão aguardada revelação sobre o que o networking é: «a natureza, a ciência e a arte de criar, manter e fazer crescer relações de valor acrescentado». E é aqui, neste ponto dicionarizado, que somos chamados às perguntas sacramentais que se seguem sobre o networking: «Quando se faz? Onde se faz? Porque se faz? Quem o faz? Como se faz?».

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No melting pot destas respostas, puxaria um fio para sintetizar o mais importante de todos os princípios do networking: «networking faz-se com uma pessoa de cada vez». E, daqui, continuamos a desenrolar o novelo, astutamente: respeito, atenção e cuidado com o outro são a pedrada no charco. Froes eleva ainda mais a sua assertividade para lembrar que «os valores que criam, suportam e promovem relações de confiança» são o carácter («fazer o que dizemos»), a competência («fazer bem feito») e a consistência («fazê-lo de forma continuada»). A estes valores devemos juntar três «regras de ouro», dar, escutar e servir, sem esquecer o endosso que esta tríade encerra: ajudar os outros (re)direciona o nosso próprio sucesso. E, a partir deste entendimento, a nossa perspetiva de vida muda radicalmente.

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À medida que avançamos, consideravelmente, na espessura da leitura, apercebemo-nos de que, a par do networking e das suas 12 ferramentas, os aceleradores e os travões, vão surgindo alusões substanciais à arte de comunicar e de liderar. Aliás, no fio condutor tão bem desenhado desta obra, não obstante as flutuações de um pensamento que nos fala ao ouvido como se de uma conversa à mesa do café se tratasse, como no pensamento de Virginia Woolf, está sempre latente esse líder que se lidera e que lidera as suas relações, mesmo que na rede existam dezenas, centenas, milhares ou milhões de pessoas. Será sempre uma grande rede, com muitas pessoas – todas – absolutamente singulares.

Para mim, a praça principal deste livro de Froes está no quadro do austríaco Joseph Wopfner: “Pescadores Reparando as Redes”. Neste substantivo anglo-saxónico, networking, somos remetidos para a arte de cooperar e colaborar nesse trabalho árduo, mas tão recompensador, de desfazer os nós das redes, endireitá-las, prepará-las para a sua função primordial de suporte à pesca. E, aqui, a minha memória é levada para um outro autor, que não aparecendo no livro, torna-se crucial resgatar aqui, o filósofo germano-coreano Byung-Chul Han, que nos diz para descrever o tempo atual: «tomamos conhecimento de tudo, sem chegarmos a conclusões; viajamos para toda a parte sem adquirirmos experiência; comunicamos ininterruptamente sem participarmos numa comunidade; armazenamos grandes quantidades de dados sem perseguirmos recordações; acumulamos amigos e seguidores sem nos encontrarmos uns com os outros». Imaginem se, neste mesmo tempo, soubermos mergulhar no compêndio de valores e sabedoria, tutelar, que Francisco Froes nos dá: teremos o mundo aos nossos pés. E isso não implica tanto ser grande, como ser inteiro.

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