Neste que é o seu mais recente livro publicado, acabado de chegar às livrarias neste final de ano, Para os Caminhantes Tudo É Caminho, José Tolentino Mendonça propõe um ancoramento de valores, direções, testamentos, referências para a escuta interior de quem aceita viver em travessia. Propõe-nos, aliás, um conjunto de âncoras para nos conhecermos melhor, por mais árduo que esse exercício seja: «(…) precisamos de muitos anos (e de muito trabalho interno) para chegar a exprimir o que há em nós de original». Ainda que também nos diga: «(…) a sabedoria de que necessitamos é uma possibilidade que está connosco desde o princípio».
O livro constrói-se a partir de breves textos, como é habitual na sua escrita recorrentemente à base de reflexões, homilias, meditações, que assumem a forma do fragmento, estrutural e eticamente. Cada texto é um passo, não um sistema. O autor recusa a lógica da totalidade e escolhe a fidelidade ao instante. Ao salto onde tudo se decide. A cada lugar de paragem ou de relançamento do caminho. Este não é, pois, um livro de chegada, mas de uma radical disponibilidade para ir, de uma desconcertante partida.
Um dos eixos centrais do livro é a ideia de caminho como condição humana. Caminhar não é apenas deslocar-se, é aceitar a incompletude. Contra a obsessão contemporânea pela eficiência e pelo resultado, o autor propõe uma ética da demora, do processo, da atenção. O caminho não vale apenas pelo destino.
Outro eixo que estrutura o livro é a recusa de uma espiritualidade triunfalista. O autor não escreve a partir da certeza, mas da vulnerabilidade. Há, nestes textos, uma ética da imperfeição que contrasta fortemente com os discursos contemporâneos de desempenho e autossuficiência. A espiritualidade que emerge é, por isso, profundamente encarnada. José Tolentino Mendonça fala de fé, mas fá-lo a partir da vida concreta: do tempo, do corpo, da memória, da relação com o outro. Com os outros. A experiência espiritual é apresentada como intensificação do real, como aprendizagem do olhar e da escuta. A transcendência não está fora do caminho. A transcendência está no caminho.
Observamos, neste livro, a escuta como território congenial à vida, apesar de haver «uma pedagogia da escuta que nos falta». Escutar o tempo, escutar o outro, escutar aquilo que em nós resiste a ser nomeado. Num mundo saturado de discursos e palavras vãs, José Tolentino Mendonça propõe uma espiritualidade da atenção, onde a palavra vale quando (re)nasce de um silêncio habitado.
Fala-nos o autor, numa cola com tantos dos seus restantes livros, da gratidão incondicional: «agradecer não apenas as grandes alegrias, mas também aquelas anónimas, ordinárias e minúsculas». E liga-nos a um depósito de perguntas essenciais que nos desvendam o trajeto de vida: de onde vimos; de quem somos herdeiros; que história é verdadeiramente a nossa… numa assunção de que nos faltam «testemunhas, transmissores e mediadores para um diálogo colaborativo entre gerações que ajude a encontrar respostas consistentes para estas perguntas».
Para os Caminhantes Tudo É Caminho constitui um murmúrio que acompanha o quotidiano. Não esclarece o caminho, ensina a caminhar. E isso, num tempo que exige rapidez, certezas e conclusões, é um gesto profundamente contracorrente e promotor de uma esperança oceânica.

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