Este é mais um dos livros (dos quais já perdi a conta) que li de José Tolentino Mendonça. Mas que se distingue por ser o primeiro que leio, deste singular autor, de poesia. Todos os outros que posso retratar de Tolentino Mendonça agregam crónicas, ensaios ou aforismos. Faltava-me, de facto, chegar à sua poesia. Um amigo atento, com quem partilho os caminhos (im)prudentes da poesia, ofereceu-me carinhosamente a Introdução à Pintura Rupestre.

A frase que me parece sintetizar o livro inteiro diz assim: «Uma parte da beleza do mundo permanece anónima». Aqui encontra-se personificada, intacta e imutável a ideia de que há algo maior do que nós, além dos nossos olhos. E a cuja descoberta a nossa sabedoria ainda não chegou, por ser insuficiente para saber tudo. Há partes do mundo às quais não chegámos. E que nessas partes, diz-nos ainda Tolentino Mendonça nas suas palavras refletidas, o que há é belo.

Assim que iniciamos a leitura, somos confrontados com a pessoa a quem o livro é dedicado: «para a minha mãe/ aos seus braços desembarquei na infância». No meu entender, esta pintura rupestre na qual o autor nos quer introduzir é, precisamente, um caminho longo, mas prazeroso, até à infância, no sentido das origens, das raízes que estão para lá de nós. Enquanto chave para a compreensão daquele geossítio filosófico e profundo de onde vimos.

Para lá chegar, Tolentino Mendonça recorre às manhãs da sua infância; à «primeira coisa bela» de que se recorda; às «botas gastas» do avô Matias; à «história social da bicicleta»; ao corpo que é uma ficção; à memória que é «anterior aos alfabetos»; à «origem da alegria»; ao «motivo escultórico para a dança dos noviços»; e, claro, às «cavernas de Lascaux». Depois dos poemas, o que podemos ler é uma homenagem à «minha avó analfabeta». A propósito da qual Tolentino Mendonça nos diz: «A maior parte das vezes penso que com ela aprendi tudo».

Nessa viagem que fazemos à origem do que somos, seguimos guiados por um sofisticado apelo ao conhecimento inaugural, decalcado nas pinturas rupestres. E esse testemunho sobre a origem dos tempos humanos também nos fala sobre como será o futuro. Por sinal.


Introdução à Pintura Rupestre, José Tolentino Mendonça 72

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