Quando recebi o convite da Mafalda para o lançamento do seu livro Gotas no Charco, não só não fui apanhada de surpresa, como me permiti dedicar ao tema o merecido tempo de contemplação. É que o lançamento deste livro é a concretização de mais um sonho da Mafalda, sobre o qual tivemos juntas a oportunidade de falar algumas vezes. E sempre que um sonho se concretiza, há um hino de alegria que se cumpre. O eco daquele sussurro que recebemos um dia no ouvido sobre a importância de levar o sonho suficientemente a sério. O sonho como alavanca de mudança, desenvolvimento e realização.
Neste livro editado pela Have a Nice Day, com ilustrações de Eunice Rosado, o Prefácio que parece dialogar diretamente com cada um de nós, de José Tolentino Mendonça, e uma belíssima nota da editora, Ana Rita Ramos, encontramos reflexões da Mafalda arrumadas em 7 temas categóricos: Ligação, Esperança, Liberdade, Consistência, Gratidão, Aceitação, Entusiasmo.
Para lá do «noturno cerco» de que nos fala Tolentino Mendonça, este livro traduz, prova, valida – dúvidas houvesse – que há sempre qualquer coisa a fazer, independentemente do nosso ponto de partida, da nossa condição e dos nossos limites. Assim arregacemos as mangas e nos façamos à estrada. Há um caminho que é nosso. E esta mulher que nos fala, no seu mapa de intenções, diz-nos em manifesto: «A minha identidade não é obra do acaso, nem um erro mal calculado».
Na Ligação, pontualmente com recurso a citações que perduram na memória, desde logo de Eugénio de Andrade, Mafalda fala-nos da mesa como «tratados de paz»; faz a apologia do elogio e da sua missão enquanto coluna vertebral das relações; desconstrói as redes sociais como as conhecemos hoje; recorda a amizade como «polvo», lembrando que «não há Golias que não possamos derrotar». Quando se refere à Esperança, fala-nos ao coração com a «certeza inabalável e entusiasmada de uma criança»; sem medo da «incógnita do futuro»; e com foco na importância das decisões e da decisão de não decidir.
No campo da Liberdade, ao estilo do Principezinho, apela-nos sobre a importância de não ficarmos «cativos de pensamentos e sentimentos que nos afastam do nosso verdadeiro potencial». Também nos fala sobre aquilo em que acreditamos versus o que merecemos. Coloca-nos de frente com a verdade e a eficácia da sua crueza, frontalidade e transparência. Em relação à Consistência, ficamos perante as diferenças nem sempre óbvias entre a moral e os moralistas; as atitudes e os comportamentos; os hábitos e o que somos; o viver a vida ao máximo e o viver a vida bem; o dom e o talento. Aqui, interpela-nos com a humildade que «nunca pode ir de férias».
Com a Gratidão, que diz gerar generosidade, coloca-nos de frente com um «ingrediente de caráter». Na Aceitação, encontramos a capacidade – como opção consciente – de olhar para o futuro com esperança, como se não houvesse sequer outra saída. Porque, na realidade, não há. No Entusiasmo, Mafalda refere-se à «alegria que vem de dentro»; à diferença entre mudar metodologias e fontes; e à sabedoria, que não é uma questão de força.
A Mafalda é uma mulher que nos deixa no ouvido um grito, que este livro tem a virtude de amplificar: «nem as nossas limitações têm o poder de determinar os nossos limites». E este grito é a gota que redefine o charco.
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