Sou apaixonada por livros sobre literatura e lanço o olhar sempre que ouço escritores pronunciarem-se sobre a arte de escrever e ser escritor. Fascina-me o que dizem sobre a atividade que melhor conhecem – escrever – e fascina-me sobretudo a forma como leem a sociedade (os escritores são observadores, por excelência). E por isso li Os Escritores (também) Têm Coisas a Dizer, de Carlos Vaz Marques. Neste livro, o autor reúne um conjunto de 12 entrevistas que realizou no âmbito da sua colaboração de mais de uma década com a revista LER. Estão os 12 entrevistados entre os nomes mais conceituados da literatura em Portugal. E ao ler as suas respostas às questões de Carlos Vaz Marques ganhamos pistas de reflexão para os lermos a eles melhor. Ficamos a saber como Agustina Bessa-Luís interpreta os grandes sinais de mudança social e como entrega às pessoas frívolas uma tremenda importância. «O ser humano é a minha grande escola, é a minha grande fonte de informação», diz. Num estilo desconcertante e com palavras diretas, a escritora desconstrói a quantidade de livros que aparece por aí: «Por exemplo, a senhora que escreve o Harry Potter: por detrás dela está um escritor-fantasma». Sobre as inquietações de António Lobo Antunes, Carlos Vaz Marques traz-nos à flor da pele a rivalidade com Saramago e a descoberta de que afinal é aos poetas que mais inveja. Com uma postura muitíssimo crítica acerca dos títulos comerciais, António Lobo Antunes defende os autores sérios com a deixa: «A leitura é uma coisa que se educa. Que se ensina e que se aprende. O problema é que qualquer grande escritor tem de ensinar os seus leitores a lê-lo». De José Saramago, é possível ver evocada a sua adesão ao PCP e, claro, posturas sobre a escrita: «Eu não pertenço àquele tipo de escritores que anda com as antenas no ar, captando o que está fora. (…) Eu não preciso de estímulos exteriores. O que preciso, sim, é que a minha cabeça, por iniciativa própria, dê o pontapé de saída do jogo que vai começar». Deliciosa é também a entrevista a Eduardo Lourenço, a quem Carlos Vaz Marques se refere em 2008 como «(…) o mais respeitado intelectual português vivo». Dele são arrancadas palavras determinantes sobre Fernando Pessoa: «Não há questão nenhuma, ainda hoje, que nos interesse, que de uma maneira ou de outra não esteja na obra do Pessoa». A Gabriela Llansol atribui o estatuto do próximo grande mito da literatura portuguesa. Às palavras de Antonio Tabucchi é arrancada a desmistificação da condição de escritor: «O escritor é uma pessoa como todas as outras. Precisa de ir comprar leite e pão, de manhã». A partir da entrevista a Mia Couto é-nos possível refletir sobre o peso do tempo na capacidade de viver: «Quanto menos trouxermos do passado alguma coisa que nos obrigue a sermos quem já fomos, melhor, mais disponíveis estamos». Com Mário de Carvalho recolhemos uma visão do nível cultural atual: «(…) as pessoas são menos conscientes da língua portuguesa e têm um vocabulário quase ao nível do Tarzan e da Jane». Apenas para recuperar algumas das saídas mais expressivas (do meu ponto de vista) dos autores de Carlos Vaz Marques no seu livro Os Escritores (também) Têm Coisas a Dizer, em que entrevista ainda Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares, Dulce Maria Cardoso, Manuel António Pina e Hélia Correia. Carlos Vaz Marques é jornalista na TSF, rádio em que coordena desde 2001 o “Pessoal e… transmissível”, programa em que se notabilizou ao entrevistar personalidades de primeiro plano nas cenas intelectuais portuguesa e internacional, como José Saramago, Salman Rushdie, Chico Buarque ou Caetano Veloso. Ao lado de João Miguel Tavares, Pedro Mexia e Ricardo Araújo Pereira, levou a antena outro programa de que é autor, “Governo Sombra”, desde 2012 emitido também no TVI24. Foi premiado como autor de rádio, em 2005, pela Casa da Imprensa. Em 2009, recebeu o Prémio de Jornalismo Científico. N’Os Escritores (também) Têm Coisas a Dizer trespassa-nos o privilégio de dedicar a sua vida, como diz, «a ouvir pessoas extraordinárias».

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