Como contraponto à visão pessimista a que os estudos comunicacionais não raras vezes deram origem, sobressai o determinismo tecnológico que ficamos a dever, primeiro, a Robert Ezra Park (1864-1944), um dos seus fundadores, depois a Harold Adams Innis (1894-1952), que o explorou e, ainda, a Marshall McLuhan (1911-1980), eventualmente o seu principal investigador da década de 1960. Existe, por detrás do determinismo tecnológico, a convicção de que os meios de comunicação constituem o detonador da maior parte das transformações históricas e civilizacionais e das relações entre os homens e entre estes e a realidade. McLuhan refere-se à predominância, em cada cultura tecnológica, de um determinado sentido, destacando a propensão para a interação entre os diferentes sentidos na cultura eletrónica e audiovisual. Ora a linguagem audiovisual reveste-se de um maior poder para envolver o público, estimulando-o de forma global. Algumas pistas para o centro comercial como <i>mass media</i> <br>(parte III)

A linguagem na qual o centro comercial se baseia é, predominantemente, audiovisual e, por isso, possui características semelhantes às da rádio, do cinema, da televisão, da fotografia, do computador, do telemóvel. Mas o que interessa extrair da tecnologia audiovisual, na análise do centro comercial, é menos o número de aparelhos de televisão que desfila nas montras das lojas, os ecrãs das praças de restaurantes, as exposições residentes nas zonas sociais, os filmes exibidos nas salas de cinema ou a quantidade de marcas comercializadas, do que as repercussões desses dispositivos tecnológicos nas relações dos indivíduos, na sua forma de estar e viver a experiência oferecida pelo próprio centro comercial. A grande mensagem transmitida por estes canais está, pois, no tipo de alteração que produz e no novo padrão que introduz no quotidiano. O centro comercial funciona no limite como prolongamento do nosso corpo e, por isso, como canal de acesso – que se transforma a cada novo contacto com cada nova tecnologia – à realidade circundante.

Os espaços sociais do centro comercial, onde se realizam os mais variados eventos, constituem uma representação do próprio espetáculo que este medium simboliza na sua totalidade, na qualidade de espaço de divertimento e entretenimento, estímulo para todos os sentidos e apelo às aspirações sociais dos consumidores. Também os agentes de comunicação do centro comercial possuem implicitamente a responsabilidade de promover a permanência naquele local, desencadear sonhos e provocar sensações, conduzindo em última análise ao ato de compra. De acordo com Paula Carvalho Matos, doutorada em marketing pelo ISCTE, os consumidores tomam 66% das decisões acerca de uma determinada marca no próprio ponto de venda. Surgem questões, deste modo, que tendem a fazer refletir sobre o aumento da atratividade global do centro: Como distribuir no espaço e no tempo os diferentes canais de comunicação? Qual o design gráfico a adotar para impactar o consumidor? Como despertar as suas sensações? Como “mexer” com os seus sentidos? O layout, que remete para a disposição dos elementos no espaço, pode motivar mais ou menos o ato da compra. A atmosfera da loja, diretamente relacionada com a sensação de bem-estar, conduz a que os clientes sintam prazer em permanecer e se mantenham despertos para tudo o que ali existe e acontece. Também a cor e a música, fatores ligados à atmosfera e ao ambiente, contribuem para a permanência ou não do consumidor. O odor e a luz tendem a produzir um efeito direto sobre o visitante, na medida em que o afetam positiva ou negativamente. Os cartazes publicitários e os ecrãs também atuam ao nível da alteração de comportamentos.

As técnicas de comunicação a que a entidade enunciadora recorre funcionam assim como canais tecnológicos que, uma vez em contacto com o consumidor, se estendem no prolongamento dos seus sentidos, proporcionando-lhes uma nova forma de interação com o ambiente circundante. As mensagens transmitidas através do audiovisual, da publicidade, dos outdoors e dos ecrãs estimulam, não só o sentido diretamente associado a cada medium, mas todo o organismo do indivíduo. Ainda assim o envolvimento sensorial poderá estar mais afeto a um determinado sentido. Segundo a abordagem psicologista, o ouvido é o sentido primordial, na medida em que permite a imersão nas coisas, o estar por dentro. A visão, por sua vez, estabelece um contacto parcial com a realidade, de frente, de cima ou de baixo. Por incrível que pareça, os media tendem a ‘trabalhar’ mais o ouvido e menos a visão.

Este é um dos argumentos que explicam a ideia mcluhaniana de que a cultura eletrónica tem características do período acústico-táctil e, como tal, tende à retribalização do homem. Segundo McLuhan, o que explica o retorno da retribalização é precisamente a preponderância do ouvido sobre o olho, a tal ponto que o olho começa a ver como se ouvisse, ou seja, de forma sensorial global. As principais características da audição são a globalidade, a imersão e a recetividade. O primado do ouvido não induz apenas sobre a preponderância de um sentido sobre outro. Trata-se sobretudo de uma alteração significativa na forma de percecionar e processar a realidade, não só através da audição, como ainda da visão, a qual vai abandonando as suas anteriores particularidades, como sendo a presença focalizadora num determinado ponto, conduzindo a um tipo de leitura dominante e dirigida. O ouvido ganha assim um papel preponderante a partir do momento em que o próprio olho passa a ver do mesmo modo que o ouvido ouve. No contexto de um centro comercial, este efeito em que estar é participar, ganha especial destaque. A comunicação audiovisual tem o poder de reposicionar o indivíduo no mundo, amplificando-lhe os seus sentidos e permitindo-lhe uma vivência mais participativa. Ao contrário da escrita alfabética que privilegia o raciocínio analítico e abstrato, espelho do pensamento ocidental e cartesiano, o audiovisual introduz a primazia do sentir.

No âmbito desta primazia, e seguindo a terminologia de McLuhan, podemos ainda descrever o centro comercial como um meio quente, que prolonga sobretudo o sentido do ouvido e emite uma mensagem mais completa do que se provocasse a extensão do olhar. Na qualidade de hot media, o centro comercial funciona como um meio que transmite, de forma simultânea, um maior número de informações. Todos os seus canais de comunicação, em conjunto, atuam de modo a que o indivíduo se sinta aumentado na medida de cada um dos seus sentidos, com destaque para o ouvido, e se confunda com o próprio centro comercial.


Algumas pistas para o centro comercial


(baseado na dissertação de mestrado da autora: O Centro Comercial como mass media: uma análise na pós-modernidade – 2007)

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