As características de uma personalidade e de um caráter inquietantes impuseram-se. O nome de nascimento, Ebba Merete Seidenfaden, deu lugar a Snu, esperta, na língua dinamarquesa. «Respirara o ar livre das democracias, de sociedades abertas onde não fazia sentido, sequer, questionar a liberdade de expressão.» Depois de ter vivido na Dinamarca, na Suécia, em Inglaterra e nos EUA, Snu chega a Portugal em 1962, para passar o resto da sua vida. A vida que a jornalista Cândida Pinto nos relata em Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro, numa capacidade inequívoca de prender, com sagacidade e encanto, o leitor da primeira à última palavra.

A Portugal chegou por ter casado com um português, Vasco Abecassis, que conhecera «(…) na escola interna Michael Hall, no Sussex, em Inglaterra». Ao apartamento da Rua D. João V, onde o casal reside em Lisboa, são atraídos «(…) intelectuais, políticos e artistas, gerando um modo de Snu se inserir numa sociedade que desconhece». E que está, a olhos vistos, muito atrás do seu tempo. E que Snu tenta abanar e espicaçar e inspirar com a fundação das Publicações Dom Quixote e a publicação de vários títulos confiscados pela PIDE. A maior afronta, contudo, que Snu faz ao regime é trazer a Portugal, concretamente a Fátima, o então em voga poeta soviético Ievgueni Evtuchenko. Decorria o 13 de maio e a primeira visita do Papa ao nosso país. Por isso mesmo, ainda assim, Snu e o poeta russo passam entre os pingos da chuva. Em 1966, tornam-se pequenas as instalações da Dom Quixote, que passaram da Rua da Misericórdia para a Luciano Cordeiro.

Filha de Jytte Bonnier e Erik Seidenfaden, jornalistas, e enteada de Tor Bonnier, magnata da imprensa sueca, proprietário da mansão Manilla, onde Snu passou parte significativa da sua infância e onde eram acolhidos vários Prémios Nobel, membros da Academia Sueca, distintos intelectuais, artistas, políticos suecos e do mundo. Snu chega a território português com esse background, e «(…) sempre com o seu ar misterioso, de alguém que flutua acima da realidade». Democrática, ousada, mobilizadora, determinada, determinante. Em choque com o estado de um país atrasado, retrógrado, com «(…) os rigores de uma ditadura, de um país fechado». Ao qual tenta dar voz através da editora que usou para rasgar costumes, para agitar opiniões. Nórdica na origem e no estilo que mantém, que é seu, detesta futilidades, não alimenta uma fofoca. Entre uma «(….) intensa vida social pelo circuito das embaixadas» e à mesa da Rua D. João V, onde se sentam à mesa, como na mansão sueca, políticos, intelectuais, artistas.

Há um momento em que Snu passa a fixar-se nos rostos políticos que surgem com o 25 de abril, pretendendo dar voz a novos e necessários protagonistas. Da exuberante Natália Correia, poeta, Snu fica com uma pista sobre o amor que lhe mudará a vida, com impacto na história do país. Referia-se a Francisco Sá Carneiro, católico praticante, casado com Isabel, pais de cinco filhos em sete anos. Família tradicional e conservadora do Porto. Metido na política do país. Fundador do PPD, a 6 de maio de 1974, ao lado de Francisco Pinto Balsemão e Magalhães Mota. Quando se conhecem num inesperado almoço, no restaurante Varanda do Chanceler, em Alfama, Snu Abecassis e Francisco Sá Carneiro sinalizam o início da cronologia que lhes mudará as vidas e a de Portugal. Numa espécie de certeza absoluta sobre o sentido daquele caminho.

A relação de ambos, porém, é submetida a um escrutínio público inigualável, à reação de um país a braços com o puritanismo, um quadro de valores e uma constituição limitadora do divórcio. Sá Carneiro avança nos seus avanços e recuos à frente de um partido e com a verdade posta num estilo sui generis de estar na política. Que Snu passa a acompanhar num ziguezaguear discreto entre a fila da frente, ao lado do homem que chega a Primeiro-Ministro de Portugal, e a fila de trás, onde não quer dar nas vistas mas a partir da qual continua a validar cada passo do seu parceiro, numa vontade inquebrantável de contribuir para uma urgente transformação de Portugal e dos portugueses. E que o destino decidiu cristalizar mesmo no auge da glória e da paixão.

 

.

error: Content is protected !!