Era eu ainda uma jovem universitária no tempo em que, todos os anos, sem interrupção, marcava lugar no Festival de Almada. Entre 4 e 18 de julho (então com datas certas). Várias sessões de teatro e outros espetáculos, colóquios, encontros entre o público e os escritores. Diferentes salas da cultura entre Almada e Lisboa. Uma festa. Eu e o meu grupo de amigos não perdíamos pitada. Já nos encontrávamos, nessa altura, de férias e marcávamos criteriosamente no calendário as peças às quais queríamos assistir, cruzávamos agendas e boleias e lá íamos, com a ponte como passagem entre as margens.

Com o início da vida profissional, deixei de conseguir conciliar. Saudades desse tempo, na verdade. Mas recebo com alegria o caderno promocional do 37.º Festival de Almada, em que folheio orgulhosa do “meu” festival as peças previstas para a edição deste ano que, apesar das contrariedades impostas pela pandemia, vai acontecer e porque o público, auscultado, assim o quis. Será entre 3 e 26 de julho, com a direção artística de Rodrigo Francisco.

A imagem do cartaz deste ano é do artista plástico Pedro Proença, já aqui entrevistado. Ao longo do programa, encontramos peças da própria Companhia de Teatro de Almada, do Teatro Nacional D. Maria II, do Teatro Nacional São João, do TEC – Teatro Experimental de Cascais, do Teatrão, de Coimbra, da Ar de Filmes/Teatro do Bairro, do Barba Azul, dos Artistas Unidos, entre outras, mas também de companhias internacionais, como a Compagnia Teatrale Fo Rame (Itália) ou La Tristura (Espanha).

Inês de Medeiros, Presidente da Câmara Municipal de Almada, na abertura do caderno, lembra-nos a sábia frase do ator, encenador e professor de teatro Louis Jounet: «Condenados a explicar o mistério das suas vidas, os homens inventaram o teatro». Talvez nestes tempos sombrios, com um vírus silencioso mas fatal a votar-nos a uma impiedosa transformação humana, faça ainda mais sentido e se torne mais urgente pensar o mistério que fomos, somos e seremos. Pela mão do teatro. Que nos compreenderá. Lançando perguntas, mais do que respostas, é certo. Porque este é um tempo mais compaginável com as perguntas e menos com as respostas (porventura todos o serão).

Não me esqueço de, numa das edições em que marquei presença no Festival de Almada, ter comprado à saída de uma das peças o respetivo texto: Esse tal Alguém, de Teresa Rita Lopes, ensaísta, professora, pessoana. O que me marcou, naquele tempo, este texto, meu Deus. À procura do sentido ancorado nas personagens principais, impessoais, um Ele e uma Ela, somos postos em evidência perante a busca incessante, humana, de um algo e de um alguém para nos tornarmos um eu. O Festival de Almada sempre teve este mérito, como o tem a cultura na sua função elementar. Colocar a pensar, levar a ver (em vez de olhar, apenas), refletir melhor, questionar, mudar o ângulo de lugar.

Rodrigo Francisco, também encenador, no seu texto de apresentação desta edição, reporta-nos para o historiador inglês Eric Hobsbawn, que «defendia que o século XX só se iniciou verdadeiramente em 1914, com a Grande Guerra». E leva a que nos perguntemos se «o século XXI não terá começado só este ano». Se assim for, comecemos este novo século com o teatro, que nunca se demitiu de se fazer ao vivo e junto ao público. E, no palco, tecer respostas para a verdade (ainda que, tantas vezes, por intermédio das perguntas).

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 + Informação Companhia de Teatro de Almada

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