Estreada internacionalmente em 2012 pela mão do dramaturgo francês Florian Zeller, O Pai é a peça neste momento em destaque no Teatro Aberto, em Lisboa, à qual assisti numa destas noites frias. Naquela noite, não teria saído de casa se não fosse para ver João Perry no papel principal, com encenação de João Lourenço. Extraordinária combinação!

Materializando uma aposta evidente da companhia na dramaturgia moderna, assinada por jovens autores, como o é Florian Zeller, esta peça retrata um conjunto de relações familiares intergeracionais estabelecidas perante o envelhecimento e o processo de senilidade e decrepitude do patriarca, interpretado por João Perry.

A história é contada, precisamente, a partir do olhar desse protagonista que se vai distanciando da lucidez e da clarividência de outrora, ora convencido de um passado recente, ora convencido de um outro nos antípodas. Vai-se instalando nos seus dias uma confusão generalizada, com repercussões irreversíveis no funcionamento do seio familiar e, concretamente, na agenda diária da sua descendência, com Ana Guiomar em ênfase.

No âmago dessa confusão, surgem atabalhoadas memórias, sem qualquer ordenação, surge um apego desmedido, materialista e ao mesmo tempo emocional à própria casa, surge o desespero gerado pela perceção certa ou errada de que o quotidiano passou a fugir ao controlo, como a velocidade insaciável do tempo. E a evidenciar essa velocidade do tempo, há um relógio que aparece sempre perdido ou, quiçá, roubado…

Neste processo incauto de profunda transformação, são postas em comunhão grandes questões existenciais que assolam uma velhice já dura e fazem-no irreparavelmente irrompendo na aparente apatia do quotidiano. São postas em causa ferramentas incontestadas da identidade, como a memória, a autonomia, a solidão.

À semelhança de outros dramaturgos já trazidos a cena pelo Teatro Aberto, caso de David Lindsay-Abaire e Nick Payne, aqui também são recriados ambientes de atualidade e criadas reflexões sobre temas que apoquentam, afinal, a humanidade de forma global. Com a particularidade, neste caso, da interpretação genial (não me ocorre melhor termo – é mesmo genial) de João Perry. Vamos lá ao teatro!

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