Conheci, por estes dias, a poesia de Inês Francisco Jacob, no seu livro de estreia recentemente publicado pela não (edições): Sair de Cena. Sempre consensualizei dentro de mim que não teria pressa de compreender a poesia e de que para ela precisaria do tempo e da maturidade que o tempo traz. E com poucos poemas me familiarizei até agora. Em Sair de Cena, porém, observei-me lá dentro, em alguns dos poemas, inteiros. Imaginei um sentido comum para as palavras de Inês Francisco Jacob, que embora se inaugure agora com obra reunida em livro, já está há muito relacionada com a palavra, para além das letras que a constituem.

Nesse mapa interior que a poesia é, Sair de Cena divide-se em dois grandes territórios do tempo: o depois e o antes. No primeiro, a autora dirige-se-nos diretamente através de uma relação que nos trata por tu, que nos fala ao coração. Introduz-nos ao «pardal», referindo a ideia «de que também os pássaros nascem/ a não saber caminhar/ mas eles aprendem logo o passo seguinte/ e voam» (poema “introdução ao pardal”). Neste ponto inicial, Inês Francisco Jacob transporta-nos para o sentido da vocação do poeta: caso tenha nascido com o talento da escrita, será uma questão de tempo entre o aprender a escrever e a partilha do que escreve com quem o possa ler.

Noutro poema, a nossa escritora segue numa espécie de grito: «por isso/ imploro/ não encomendes as dores que não conheces/ guarda as tuas numa redoma/ para quando um dia/ precisares de a partir» (poema “campânula de vidro”). Aqui, lembrei-me de que esta redoma de guardar a dor possa, afinal, ser a poesia. Um depósito do que sente. Um arquivo sofisticado para o sentimento. Ou nem por isso. Num outro poema, refere que «um vestido diz ao vento/ sossega/ sossega/ não me leves já/ há tempo/ depois» (poema “um campo de golf sem ninguém a jogar”). Reparemos como a oportunidade para a reflexão sobre o sentido maior surge a partir do trivial «vestido», do quotidiano, do prosaico. É uma reflexão a partir da própria cosmografia da vida: nenhuma conclusão verosímil se retirará do que não vivemos. Será isso? Há uma ambição nas palavras de Inês Francisco Jacob. Há um grito. Uma palavra de ordem: «quero tocar ali/ naquele tecto/ delimitar a fronteira a que ninguém chegou antes» (poema “odem dos arquitectos”).

Brinda-nos também com ensinamentos que parecem ter sido consolidados numa vida inteira, apesar da jovem idade de Inês Francisco Jacob: «deixa-te assim/ sossegada/ não reveles demasiado/ depois espalham a tua palavra/ e fica tudo desarrumado/ há gavetas que não fecham bem/ e por isso nunca precisamos de as abrir» (poema “Eva nem gostava de maçãs”). E a propósito do manusear dos livros, a autora encena-nos ritos habituais: «não assinavas o nome nos livros/ ou a data ou o lugar/ mas dobravas em triângulo as páginas/ bem no topo» (poema “limpeza da casa”).

Na última parte, antes, Inês Francisco Jacob assume um estilo diferente e nele parece ancorar a estrutura identitária da sua poesia: «não sou uma árvore/ caduca/ e por isso não me desfaço/ seguro-me de pé/ como as girafas» (poema sem nome); «talvez o elefante/ não tenha medo/ do rato/ mas medo/ de o ferir» (poema sem nome). No fim, a autora dedica um poema a um nome maior da poesia, Maria Teresa Horta. E, mesmo no fim, adverte: «e se perguntarem por mim/ diz-lhes que fui à minha procura». Este é o livro que Inês Francisco Jacob destina às mulheres da sua vida que tiveram de sair de cena e a todas as outras.

A curiosidade e o assombro perante Sair de Cena levou-me a uma conversa encantadora com a jovem talentosa sobre o escrever e a escrita, a vocação e o ser. O evoluir. Para ler, em breve, aqui.

Sair de Cena, Inês Francisco Jacob 72

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