Um dos fatores que nos incita desde logo a considerar o centro comercial um media é a sua natureza de espaço físico público. Físico, na medida em que, não só existe no domínio do real (e não do virtual), como se caracteriza pelo contacto presencial entre os indivíduos. Público, no sentido em que, embora sob a alçada de um tipo de gestão privada, possui reconhecidamente um papel público e encontra-se aberto a todas as pessoas.

O centro comercial consiste, pois, num dos espaços urbanos que melhor ilustram a importância do espaço físico público na atualidade. Repare-se no facto de o centro comercial se apresentar como um espaço em que as cidades veem reconquistado o espaço de que nenhum media tradicional conseguiu até hoje apoderar-se. Desde logo por ser um território de reconhecimento e identificação dos mesmos valores. Aparentemente cingido ao código de valores do sistema de consumo, o ato de socializar no centro comercial permite a desmultiplicação do olhar, o encontro, o contacto e a partilha da experiência de se estar num mesmo lugar, ao mesmo tempo, provavelmente, com o mesmo objetivo. Esta relação entre os públicos de consumo, não obstante estranhos e anónimos, estabelece-se quase ao nível de uma tal familiaridade, que se consubstancia na cumplicidade partilhada do mesmo espaço, do mesmo tempo e do mesmo reconhecimento. Esta possibilidade de comunicação one-on-one não é comparável com nenhum outro tipo de contacto que os media tradicionais proporcionam. Mesmo a Internet ou o telemóvel, que se baseiam no domínio do virtual e não no da presença física.

O centro comercial constitui, nesta linha de pensamento, um espaço autêntico de comunicação de massas, com a diferença, em relação aos mass media, de que aporta mais uma relação mediada (através do papel de um mediador) e menos uma relação mediática. A fronteira entre o mediático e o mediado, contudo, pode ser ténue, quer no âmbito do centro comercial, quer no dos media tradicionais. A questão está em que, no caso dos media, existe uma relação mediática com o consumidor que começa na própria designação anglo-saxónica dos meios de comunicação social. Depois porque se dirigem a um universo tipicamente de milhões de pessoas. O centro comercial, por sua vez, aponta para uma relação mediática entre emissor e recetor menos imediata à primeira vista. No contexto do centro comercial, apontamos para uma comunicação mediada, em que entre remetente e consumidor se afigura um mediador. Mas também em relação aos mass media não podemos deixar de nos referir a um conjunto de aspetos que funcionam certamente como mediadores, como a cultura editorial, o background dos profissionais e seus contextos organizacionais.

Os media destinam-se à produção e difusão ou distribuição de mensagens de informação (na aceção jornalística do termo), de entretenimento, de publicidade e de relações públicas, entre outras. Mas os media estão conotados com a produção jornalística apenas numa ótica mais restrita. Numa perspetiva mais abrangente, a referência aos media pode posicioná-los, segundo refere Fernando Cascais, «(…) como meios produtores de todo o tipo de mensagens destinadas a serem recebidas/consumidas pela massa/audiência» (Dicionário de Jornalismo – as palavras dos media, 2001). É neste quadro que entendemos caber o conceito de centro comercial no campo dos mass media.

Atentemos para a multiplicação de ícones e imagens subjacentes à sociedade do espetáculo a que se refere o francês Guy Debord (1967). É um marco indiscutível dos meios de comunicação de massas, mas está estreitamente ligado à ideologia do consumo e, por extensão, ao centro comercial. Basta pensar que a conceção dos centros comerciais tem na sua raiz o móbil de conquistar clientes e, por conseguinte, o de gerar lucro. Mas enquanto o centro comercial conquista clientes, veicula simultaneamente mensagens instrumentais e não intencionais, que comportam uma componente de reprodução cultural e sociológica. Desde a sinalética, os suportes publicitários, passando pelas marcas, a planta do edifício, as lojas, as claraboias para aproveitamento da luz natural, as cascatas e a vegetação luxuriante, a promoção e a realização de eventos culturais, a associação a temas de solidariedade, tudo veicula uma mensagem que tem repercussões ao nível da audiência. Podemos concluir que o discurso dos centros comerciais não é inócuo. Trata-se do espetáculo, da aparência, da abundância, do efémero, do deslumbramento, tal como acontece ao nível dos mass media.


centro comercial


(baseado na dissertação de mestrado da autora: O Centro Comercial como mass media: uma análise na pós-modernidade – 2007)

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