Gera consensos na área da economia da saúde em Portugal. Ao papel da saúde não acrescenta valor. Para ele, a saúde é um valor, por excelência. Chama-se Pedro Pita Barros e, com uma das vozes mais originais da atualidade neste campo, é convidado a dar pareceres dentro e fora do país e tem assento nas conferências mais prestigiadas a nível internacional. É presidente da European Health Economics Association e membro do “Expert panel on effective ways of investing in Health” da Comissão Europeia. Pedro Pita Barros foi um dos mais jovens académicos a alcançar a cátedra em Portugal, tendo com apenas 35 anos de idade chegado a Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde desde há um ano é também Vice-Reitor. Ouvimo-lo mais regularmente a debater a economia da saúde e menos a saúde da economia e, para além de dezenas de fóruns em que marca presença, podemos lê-lo no blog Momentos Económicos… e não só, onde armazena pensamentos, partilha ideias e imprime uma maior disciplina à escrita. Prestes a completar 48 anos, Pedro Pita Barros assume um discurso essencialmente humanista e, aqui, está Entre Vistas.


Lembra-se do primeiro dia em que começou a dar aulas? Como foi?

Na verdade, não retenho a memória do primeiro dia em que dei aulas. Comecei a dar aulas como assistente estagiário na Faculdade de Economia da Universidade Nova, por isso calculo que tenha sido com algum nervosismo que iniciei essa atividade. A primeira disciplina que dei era de primeiro ano de licenciatura, e numa equipa de várias pessoas. Porque os alunos eram praticamente da minha idade e, numa das cadeiras, estavam incluídos colegas do mesmo ano a fazer essa cadeira mais tarde, não custou muito a adaptação. O facto de não me lembrar provavelmente significa que não foi especialmente traumático e não deixou cicatrizes. Mais marcante costuma ser a primeira vez que se corrige testes ou exames e se fica com a sensação de que os alunos deviam ter feito melhor e, talvez, a culpa fosse minha por não ter explicado bem. Ao longo dos anos, tenho descoberto que esse momento, o de corrigir exames, acaba por ser mais estranho do que o primeiro dia a dar aulas.

Quando começou a interessar-se pela economia?

Segundo a família, sempre houve algum interesse pela economia, embora na verdade a minha perceção não seja essa. A decisão foi tomada após o 9.º ano. Na altura, no 9.º ano havia a possibilidade de ter uma disciplina mais de uma área ou de outra. Para ficar com os mesmos colegas que vinham das turmas do 7.º e 8.º anos, optei por uma disciplina ligada à saúde e à biologia. O resultado foi desastroso. Essa disciplina deixou-me cicatrizes mentais até hoje, mesmo que não me lembre exatamente do respetivo conteúdo. Foi nessa altura que tomei a decisão de seguir economia. Apesar de os programas das disciplinas de economia no secundário não terem sido particularmente aliciantes, também não incomodavam. Depois da entrada no ensino superior, na Licenciatura de Economia da Universidade Nova de Lisboa, e da ambientação que essa entrada significou, o interesse pela economia e pelos mecanismos de funcionamento da economia foi aumentando à medida que avançava no curso.

A principal decisão de política sobre o ensino superior público é qual o valor dado a universidades fora dos grandes centros urbanos e o que fazer quanto à sua menor capacidade de atrair alunos que permitam o seu funcionamento.

Está entre os professores universitários portugueses que mais cedo alcançou a cátedra (Universidade Nova de Lisboa), com 35 anos de idade. Que requisitos/circunstâncias são necessários para chegar a este lugar tão rapidamente? Em Portugal, pelo menos, não é muito comum…

Não houve, nem há, segredo especial. A Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa tinha, e tem, um sistema de reconhecimento da investigação produzida e, sendo uma faculdade de uma universidade recente (na altura, a escola tinha menos de 20 anos), não tinha, ao contrário de outras, todos os lugares ocupados. Houve o mérito da decisão das primeiras gerações não ocuparem todos os lugares disponíveis, permitindo que regularmente houvesse possibilidade de progressão. Depois de terminado o doutoramento, a dedicação à investigação e ao ensino foi praticamente exclusiva, pelo que a capacidade de progressão na carreira surgiu naturalmente. O mesmo sucedeu com vários dos meus colegas. E, curiosamente, se foi uma progressão que podendo ser vista como rápida em termos nacionais não é muito diferente, nem muito mais rápida nem muito mais lenta, da evolução que outras pessoas em diversas universidades noutros países da União Europeia tiveram.

Mais recentemente, foi nomeado para Vice-Reitor da Universidade Nova de Lisboa. Do seu olhar de gestor desta instituição académica, que comentários lhe merecem a forma como o ensino está organizado no nosso país?

Tenho um ano de funções, pelo que o meu conhecimento do sistema de ensino superior ainda não é provavelmente completo e suficientemente profundo. Ainda assim, a principal característica da gestão no ensino superior público é a aleatoriedade nas regras e na componente do orçamento das instituições que vem do Orçamento do Estado. É certo que se está num período particularmente turbulento das contas públicas, com o resgate internacional e com os condicionalismos de despesa pública a ele associados. Ainda assim, o sentimento é a ausência de um planeamento e de uma visão de longo prazo para este financiamento público, e, até certo ponto, um excesso de regras normativas que afetam mesmo a capacidade e interesse das universidades em procurar receitas próprias. De um ponto de vista global, há decisões de política de ensino superior que necessitam de ser tomadas e há discussões que indiciam valores que não partilho. A principal decisão de política sobre o ensino superior público é qual o valor dado a universidades fora dos grandes centros urbanos e o que fazer quanto à sua menor capacidade de atrair alunos que permitam o seu funcionamento. Em termos de valores partilhados, ou não, o aspeto em que discordo é ver-se o propósito do ensino superior público como sendo o de formar pessoas para empregos, e que só o que tiver emprego deve ser oferecido em termos de cursos de ensino superior. A consequência lógica desta visão é que deveriam ser os empregadores, públicos ou privados, a pagar o ensino superior. Prefiro ver a missão do ensino superior público como sendo a de formar a população jovem, de preferência em cursos e matérias que lhes permitam ter uma vida ativa, produtiva e pessoalmente gratificante. Ora, cumprir essa missão pode significar oferecer cursos em áreas que se sabe que os graduados irão, em parte ou em maioria, trabalhar em áreas distintas. O balanço entre uma visão meramente instrumental e uma visão de formação que corresponda às aspirações da população, num contexto de boa informação sobre as oportunidades profissionais futuras, tem que ser encontrado.

Desde o início dos anos 2000 que se verificou uma desaceleração do crescimento da economia, com uma falta de crescimento da produtividade.

A Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde dá aulas, é uma das mais prestigiadas a nível nacional e internacional. Mas compete com outras. Se tivesse que convencer um aluno indeciso a optar por esta faculdade, que argumentos usaria?

Essa é uma situação que tem surgido ao longo dos anos com alguma frequência. O principal argumento que tenho é até bastante simples e quase parece um anúncio para recrutamento militar: “se queres uma formação sólida em economia ou gestão, se queres apostar numa carreira internacional no final da licenciatura ou pouco depois, então esta escola tem a possibilidade de te oferecer essas possibilidades.” Mas a escolha de uma escola para fazer um curso superior tem também aspetos de empatia com a cultura da escola e com os colegas, sobre os quais é difícil usar argumentos.

Desempenha, na área da economia da saúde, várias funções dentro e fora de Portugal. Em que país considera existir um modelo exemplar de economia da saúde?

Não há essa coisa chamada “modelo exemplar”. Todos os sistemas de saúde têm vantagens e desvantagens. O que é melhor depende também das preferências que as populações possam ter. Há países em que os cidadãos têm uma preferência por menor intervenção pública, e outros países em que há uma preferência por maior intervenção pública. Cada país tem que procurar o seu caminho e ter a coragem de fazer as suas opções, quanto a formas de financiamento, formas de prestação de cuidados de saúde, participação dos cidadãos, etc.

Quem são os seus economistas de referência?

Em termos internacionais, Kenneth Arrow, e curiosamente o agora prémio Nobel, Jean Tirole. Também posso destacar Joseph Newhouse e Tom McGuire, cujos trabalhos me levaram em grande medida a investigar em economia da saúde. Em termos nacionais, aprendi muito numa cadeira que fiz com Diogo de Lucena, com Luís Cabral (que foi meu orientador de tese de doutoramento) e com José Amado da Silva. Todos eles diferentes, até nas suas carreiras, mas muito interessantes na forma como pensam e tratam os problemas económicos, e que me ajudaram a traçar e a seguir os meus gostos de investigação e intervenção. Claro que houve vários professores que, por um motivo ou por outro, deixaram boas lembranças, e dos quais depois tive a sorte de ser colega na Universidade Nova de Lisboa. De resto, há muitos outros economistas, nacionais e estrangeiros, cujo trabalho procuro seguir com regularidade, com quem gosto de trocar ideias e até trabalhar, quando surge a possibilidade.

Os dois elementos centrais para o ajustamento da economia portuguesa, para que volte a ter boa saúde, são uma alteração do padrão de consumo e das respetivas expectativas, por um lado, e o retomar do crescimento da produtividade, por outro lado.

Como é que o economista Pedro Pita Barros olha para o atual estado da economia portuguesa? Como anda a saúde da economia por cá?

A resposta pode ser muito longa ou muito curta. Para evitar ser maçador, numa versão curta é provavelmente melhor. Desde o início dos anos 2000 que se verificou uma desaceleração do crescimento da economia, com uma falta de crescimento da produtividade. É uma crise interna de crescimento. A partir de 2008 ocorre uma crise internacional, que vem somar-se à crise interna. A crise internacional teve como uma das suas características fundamentais a redução da capacidade de endividamento das entidades portuguesas, públicas e privadas. Essa redução do financiamento externo chocou com um padrão de consumo que se baseava em expectativas de crescimento da economia e da produtividade, que não se materializavam (e não se materializaram). Deste choque resultou a necessidade de um resgate internacional das contas públicas. Assim, os dois elementos centrais para o ajustamento da economia portuguesa, para que volte a ter boa saúde, são uma alteração do padrão de consumo e das respetivas expectativas, por um lado, e o retomar do crescimento da produtividade, por outro lado. Se o primeiro aspeto aparenta ter sucedido, já o segundo aspeto não parece estar ainda a acontecer. O crescimento da produtividade necessário pode vir de diferentes fontes, como ser-se mais produtivo ou então fazer crescer as atividades com maior produtividade e reduzir-se as que têm menor produtividade. Neste momento, a saúde da economia dependerá muito da capacidade de conseguir aumentar a produtividade. E sobre como fazer crescer a produtividade não há consenso, nem regras mágicas que levem automaticamente a esse crescimento.

Curiosamente, num primeiro momento de embate do período da troika, encontrava-se em quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde uma disponibilidade para a mudança.

A intervenção da troika em Portugal envolveu vários compromissos na área da saúde, já que este setor foi encarado como peça fundamental para o sucesso da consolidação orçamental. Na sua perspetiva, tais compromissos foram assumidos com humanismo e justiça, valores sem os quais o próprio Serviço Nacional de Saúde ficará em causa?

Na intervenção da troika podemos definir duas fases muito distintas. A primeira fase foi de formulação do Memorando de Entendimento e dos compromissos que nele foram colocados. Esses compromissos refletiam em perto de 90%, talvez até um pouco mais, o que era um certo consenso construído ao longo de anos sobre medidas necessárias, mas nunca aplicadas, por falta de capacidade de decisão e de implementação que nos é crónica. Os valores fundamentais do Serviço Nacional de Saúde, incluindo humanismo e justiça, não foram aí colocados em causa. A segunda fase foi a de aplicação das medidas associadas a esses compromissos. E este é um campo onde mesmo neste momento ainda sabemos muito pouco. A maior parte das medidas incidiu sobre o que podemos chamar de “efeitos preço”: redução de preços de medicamentos e redução de salários, sendo que muito desta redução foi comum a toda a função pública. E, se para os cidadãos que utilizam o Serviço Nacional de Saúde pouco acabou por realmente mudar no imediato, uma vez que apesar de ter havido aumentos das taxas moderadoras se verificou ao mesmo tempo um alargar das situações de isenção dessas mesmas taxas, os efeitos sobre as organizações do Serviço Nacional de Saúde poderão surgir mais tarde. Houve disfunções pontuais, que foram amplamente noticiadas, mas também com o passar do tempo uma redução de investimento nos serviços de saúde, que se traduz a prazo numa menor motivação dos profissionais de saúde. Curiosamente, num primeiro momento de embate do período da troika, encontrava-se em quem trabalha no Serviço Nacional de Saúde uma disponibilidade para a mudança (não é claro que todos quisessem mudar no mesmo sentido, mas esse será outro debate só por si). Contudo, com o passar do tempo, essas mudanças dentro das instituições, em termos de modelo e modo de funcionamento, foram sendo ultrapassadas pela urgência de redução de custos e de cortes orçamentais. Ao fim dos três anos, fica uma certa desilusão dos profissionais de saúde com o que poderia ter sido e não foi este período. Ainda assim, apesar de tudo, não ocorreram situações tão dramáticas de perda de humanismo e de injustiça como as que se observaram na Grécia (onde parte do ajustamento não foi apenas redução de “preços e salários”, mas envolveu redução de serviços).

Pedro Pita Barros Entre Vistas 72

Como caracteriza o Serviço Nacional de Saúde em Portugal? Abrange na medida certa toda a população portuguesa?

O Serviço Nacional de Saúde é universal – cobre toda a população residente, incluindo os imigrantes – e, nesse campo, não há dúvidas, nem legais nem de princípio entre a população e nas autoridades de saúde. É de realçar que a discussão que houve em Espanha de excluir imigrantes ilegais ou sem ocupação profissional da cobertura do sistema de saúde espanhol não teve espaço, e bem, em Portugal. Aliás, Portugal é neste campo um dos países que maior abrangência tem.

A Entidade Reguladora da Saúde tem a potencialidade de ser a única entidade que trata em pé de igualdade setor público e setor privado na prestação de cuidados de saúde, uma vez que é exterior a ambas.

Atua de forma equilibrada na cura e na prevenção da doença?

Infelizmente, aqui a resposta é negativa. É reconhecido de uma forma geral que a aposta na prevenção é menor do que será desejável, e que muito se perde, em termos de saúde da população, por não existir maior prevenção da doença (promoção da saúde). A minha sensação é que temos olhado para este desequilíbrio de forma errada. Quando se fala de prevenção é normalmente para elogiar os benefícios dessa prevenção e procurar ilustrar o que se poderia ganhar com mais prevenção. Ora, esse aspeto está já adquirido de forma generalizada. É certo que para certas intervenções, por exemplo alguns tipos de rastreio, se discute se devem ser feitos em toda a população ou apenas em grupos onde potencialmente se antecipe encontrar situações de risco. E se o custo do rastreio é algo a ter em conta na altura de decidir, também os efeitos sobre as pessoas de os resultados do rastreio virem a indicar, erradamente, situações de doença (os chamados “falsos positivos”) têm que ser tomados em linha de conta. Mas o principal problema não é reconhecer os benefícios que resultam de mais prevenção. A meu ver, o problema está em, numa tendência geral em que se procura passar de pagar pela atividade desenvolvida para pagar pelos resultados obtidos, a prevenção encontrar um problema fundamental para a organização do sistema de saúde: o resultado da prevenção é algo não acontecer, a doença não se materializar; mas como à partida vir a estar doente é incerto, é difícil pagar a alguém por algo que não sucedeu a outro. Daí que se tenham que procurar outros mecanismos. Por exemplo, tomemos a vacina da gripe. É prevenção e o que é remunerado é o processo de vacinação, não o resultado (ter gripe ou não ter gripe). Neste caso a informação disponível aponta para que pagar o processo seja adequado. Mas a pergunta que fica é se o será para todas as atividades de prevenção. E para as atividades de prevenção não podemos ignorar o papel mais ativo que o próprio cidadão tem que ter. Rapidamente entramos nos aspetos dos estilos de vida saudáveis e de como promovê-los na sociedade, sem que tal se torne uma “ditadura sanitária” sobre os comportamentos que “alguns” consideram que os “outros” devem ter. A fronteira entre a promoção da saúde, a prevenção e a liberdade individual de seguir o que é determinado (deveria ser apenas sugerido?) pelas autoridades de saúde, existe e tem que ser clarificada.

O blog claramente ajuda a manter uma disciplina de escrita regular e permite-me guardar ideias que possa discutir mais tarde.

E o que tem a dizer sobre os cidadãos portugueses em geral? Quando doentes, têm consciência dos seus direitos enquanto contribuintes?

Curiosamente, apesar da evidência que vai sendo recolhida sobre a baixa literacia em saúde da população portuguesa, há uma consciência grande das pessoas quanto ao seu direito de serem tratadas pelo Serviço Nacional de Saúde, em caso de doença. Interessante é também a regularidade de se encontrar uma melhor imagem do SNS junto de quem o utilizou do que junto de quem não precisou dele. A ligação da utilização do Serviço Nacional de Saúde à posição do cidadão como contribuinte é diferente e, provavelmente, inexistente na maior parte dos casos. Há quando muito a noção de “se pago impostos tenho direito a ser tratado”, mas não o reverso de “se utilizar muito o Serviço Nacional de Saúde, ou vou ter que pagar mais impostos, ou reduzir a despesa noutras áreas, ou alguém vai ser pior tratado”. Esta segunda parte é muito diluída. Ou seja, é mais fácil ter perceção dos direitos, em geral, do que ter noção dos efeitos associados a esses direitos.

E os privados? Estão à altura dos valores que praticam? Se houver uma complicação num parto, por exemplo, é o público que garante uma resposta mais eficaz…  

O termo “privados” cobre uma grande diversidade de situações debaixo dele. São “privados” todos (ou quase todos) os medicamentos consumidos em Portugal. São vendidos por laboratórios privados ao Serviço Nacional de Saúde e aos cidadãos. Também são “privados” hospitais, alguns de grande dimensão e sofisticação, outros pequenos e pouco diferenciados, consultórios privados de médicos, centros de análises e de meios de diagnóstico, e por aí fora. Frequentemente, quando se coloca essa questão, o que está subjacente são os hospitais privados. Para essa situação específica, os maiores hospitais privados não são hoje muito diferentes dos principais hospitais públicos, sobretudo nos grandes centros urbanos. Ajuda a essa cada vez menor diferença o investimento que o setor privado fez, por um lado, e estar a gerir hospitais públicos, através das parcerias público-privadas. Quanto aos valores que praticam, temos que distinguir diferentes situações. Para as parcerias público-privadas, não há dúvidas de que os “preços” praticados, o que recebem do Serviço Nacional de Saúde, são exigentes e várias das parcerias público-privadas têm que ser muito bem geridas para a entidade privada gestora não perder dinheiro com a operação. Nas parcerias público-privadas, a minha sensação é que os preços são bons para quem paga (o Serviço Nacional de Saúde) e as exigências de qualidade expressas no contrato que rege cada uma das parcerias são grandes. Nos preços que os hospitais privados têm acertado com as seguradoras e subsistemas para os seus beneficiários, cabe a estas últimas entidades garantir que são obtidos os melhores preços para a qualidade dos cuidados de saúde que prestam. Dado o poder negocial de cada uma das partes, não vejo que haja grande possibilidade de os hospitais privados se poderem aproveitar, em termos de preços, para receberem desproporcionadamente aos serviços que prestam. Restam as situações em que os cidadãos, quando doentes, recorrem aos hospitais privados e pagam de forma integral os cuidados que recebem. Será aqui que os valores cobrados possam estar desajustados dos cuidados que prestam, mas na verdade não tenho informação suficiente para poder ter uma conclusão definitiva sobre esse desajustamento.

O exemplo apontado, a complicação num parto, remete não para os valores praticados e sim para a qualidade dos cuidados prestados e a capacidade de resolver as situações mais complicadas. Neste campo, apesar de haver, como referi, uma convergência entre público e privado nos grandes centros urbanos, também existem, e vão provavelmente existir sempre, unidades privadas que não têm capacidade de tratar algumas situações, tal como existem unidades hospitalares públicas que também não tratam tudo (por exemplo, situações de trauma, há toda a vantagem em estar concentrada a competência técnica apenas em alguns hospitais; ou, fora da emergência, o conhecimento e a capacidade de tratamento de doenças raras também beneficia dessa especialização, que tenderá a ocorrer no setor público).

Como olha para o papel da Entidade Reguladora da Saúde?

A Entidade Reguladora da Saúde nasceu num contexto específico e tem procurado encontrar o seu caminho dentro do sistema de saúde, alterando a sua natureza ao longo do tempo. A Entidade Reguladora da Saúde tem a potencialidade de ser a única entidade que trata em pé de igualdade setor público e setor privado na prestação de cuidados de saúde, uma vez que é exterior a ambas.

Se tivesse de optar por um medicamento de marca ou um genérico, que escolha faria? Porquê?

Não tenho qualquer dúvida na opção por um medicamento genérico. Tenho perfeita confiança na semelhança entre os medicamentos de marca e os genéricos aprovados (em termos técnicos, a bioequivalência entre medicamentos de marca e genéricos). E a opção é mesmo pelo genérico de preço mais baixo.

Qual é, na sua opinião, a grande doença do século XXI?

É difícil responder, dado que o século ainda vai no seu início e podemos ter grandes surpresas. No início do século XX também não se adivinharia que o desenvolvimento das vacinas e antibióticos levaria a que muitas doenças fossem controladas, e que surgiria nas últimas duas décadas o HIV/SIDA. Prever o que será o século XXI é por isso mesmo arriscado. Há quem aponte os aspetos de saúde mental, incluindo deterioração das capacidades mentais no final de uma vida cada vez mais longa. Mas pode ser uma previsão completamente errada, pois uma mutação do vírus Ébola ou o aparecimento de outro vírus tão mortal como ele e com maior facilidade de transmissão podem tornar-se as grandes doenças. Por outro lado, tenho também grande confiança no engenho humano. Se virmos bem, a SIDA, que começou por ser uma doença mortal, é hoje cada vez mais uma doença crónica. Também no cancro se evoluiu no mesmo sentido. E novas doenças constituirão desafios científicos similares.

Nos Momentos Económicos… e não , aponta as suas razões «simples» para ter um blog: «algum gosto pela escrita, o querer ter um “bloco de notas” que pudesse servir para trocar ideias, ou pelo menos armazenar pensamentos, e a vontade de experimentar um novo meio de comunicação». Depois de 3 anos no ar, o blog ajuda-o a cumprir estes propósitos? Que balanço faz?

O blog claramente ajuda a manter uma disciplina de escrita regular e permite-me guardar ideias que possa discutir mais tarde. Aliás, noto mesmo ciclos de discussões, e nalgumas discussões vou conseguindo recuperar ou remeter para textos ou opiniões publicadas no passado. O balanço tem sido largamente positivo, até pelas reações que vou tendo de leitores do blog. Tenho tido sorte, ainda não fui vítima de trolling no blog (bem, os comentários são moderados, o que contribui para manter a qualidade da discussão) e aceito com facilidade visões diferentes da minha, desde que verbalizadas de forma correta.

Na medida em que no blog escreve sobre economia, política económica e economia da saúde, os seus leitores são predominantemente economistas? Quem o lê?

Não conheço com exatidão a caracterização dos leitores. A julgar pelos comentários recebidos haverá um número grande de pessoas de economia, mas também de pessoas ligadas ao setor da saúde. Há um conjunto de amigos que vai comentando com regularidade. Como o blog é também divulgado via facebook e linkedin, além de subscrição por e-mail, não consigo fazer essa descrição de forma pormenorizada. Pelo menos uma vez uma jornalista leu o blog, pois desenvolveu uma notícia a partir de um dos textos do blog. Esse texto referia a experiência do meu filho com o sistema informático do centro de saúde, que atribuiu a um menor de idade uma data de nascimento de 1927, logo já reformado. O texto descrevia a experiência na tentativa de retificação da situação, com uma referência ao filme Benjamin Button, em que Brad Pitt nascia idoso e rejuvenescia num ciclo de vida inverso ao que observamos. Por vezes, a propósito de alguns textos tenho referenciação noutros blogs ou perguntas de esclarecimento enviadas por correio eletrónico. Pessoas amigas identificaram referências a textos e números do blog em discussões públicas, nomeadamente sobre saúde. Construo então a visão (ilusão?) de haver um conjunto diversificado de leitores do blog, que poderá não ser muito amplo mas que vai lendo com frequência. Dá-me obviamente satisfação que assim seja, que possa servir como instrumento de discussão com os meus amigos e com quem se quiser juntar.

Se pudesse privar durante 5 minutos com o recém distinguido com o prémio Nobel da Economia, o economista francês Jean Tirole, o que lhe diria?

As primeiras palavras seriam de felicitações, naturalmente. E teria (tenho) uma pergunta simples: se o motivo pelo qual recebeu o prémio é aquele em que revê a sua maior contribuição para a teoria económica. A resposta poderá ser surpreendente uma vez que teve contribuições importantes em várias áreas da microeconomia.

Como está a sua saúde?

À boa maneira portuguesa, a resposta é “tem dias.” A saúde mental é sempre duvidosa. A saúde física, felizmente sem problemas de maior, mas há sempre qualquer coisita, uma constipação, uma dor aqui ou ali. Dentro de alguns anos, serei mais idoso, em Portugal provavelmente, e com várias condições crónicas (quase certo). A queixar-me possivelmente da saúde e espero que a procurar manter a minha independência funcional. Faça-me a mesma pergunta daqui a 5 anos.

 

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