A primeiríssima edição do livro Morreste-me, de José Luís Peixoto, é de maio de 2000. 20 anos depois, mereceu uma edição comemorativa, que comprei. Foi um dos pontos de partida, aliás, para a entrevista que tive o gosto e a honra de fazer ao José (permitam-me escrever assim).

Logo nas primeiras páginas, temos uma foto do pai e do filho. José João Serrano Peixoto e José Luís Peixoto. Neste livro, através do qual o autor se estreia, há a partir da própria relação entre si e o seu pai, a quem o livro é dedicado, uma dimensão genérica e universal da relação entre o pai e o filho e através da qual podemos ser levados a refletir o vínculo que temos com o outro (em geral). E essa dimensão que o livro tem e que sedimentou ao longo dos 20 anos é particularmente incrível.

«E tudo como se continuasse». Lemos, na primeira página. Falamos de um pai que partiu. Que motivou a escrita do primeiro livro do seu filho, mas que não o conheceu como escritor. Pelo menos, aqui. Na entrevista que fiz ao José, recebi sobre este ponto esta reação que recupero: «sinto como muito impressionante o facto de ter sido a partir da morte do meu pai que verdadeiramente me tornei no escritor que hoje sou». Neste livro Morreste-me, parecem estar contidos os alicerces “programáticos” de toda a obra do escritor, já que encontramos em todos os seus livros, em bom rigor, sempre um pai e um filho nas suas múltiplas relações.

Morreste-me é, claro, também um livro sobre a morte. Lemos, numa outra passagem, uma pergunta: «(…) não poderiam os homens morrer como morrem os dias»? Com a mesma rotina, sem surpresa e dor? Talvez sejam estes os pensamentos implícitos à pergunta. Mas não. As pessoas não são comparáveis aos dias na morte que lhes couber.

Noutro momento do livro, intuímos sobre a aprendizagem que o autor poderá também querer fazer: «Avanço para o que fomos. Encontrei nas pedras deste caminho, no luminescente desta viagem, um espaço por onde entrei e acelero (…)». Na viagem ao passado que é feita, há uma capacidade adquirida para enfrentar o futuro. Que consolidamos à medida que avançamos no texto: «Construíste-me e construíste esperança no que tocaste». Mesmo que antes possa ter de ser resolvido «o peso incómodo de mim». Diz o José.

No fim, a partir de uma cronologia dos 20 anos decorridos sobre a primeira edição, damo-nos conta da quantidade de países em que o livro fora já publicado, da Bélgica à Croácia, de Espanha a Itália, do Uruguai a Inglaterra, de Cuba à Índia, da Roménia a Cabo Verde. Com leituras públicas em festivais literários, desde logo no Brasil, ou em programas da televisão chinesa.

A mostrar que nessa relação entre o pai e o filho ou, melhor, entre nós e os outros, não há fronteiras, nem geográficas, nem linguísticas, a dividir o que é humano e (tão) comum.

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