N élia Câmara é Partner e integra a gestão de topo da Mercer, na qual tem vindo a liderar a nível global diferentes projetos, equipas e grupos de trabalho com profissionais de múltiplas nacionalidades. Possui larga experiência em áreas de consultoria relacionadas com planos de pensões e outros benefícios pós-reforma, assim como em temas de liderança. Ao longo dos anos, conciliou uma intensa atividade profissional com a colaboração voluntária em organizações sem fins lucrativos, que teve o mérito e o gozo de fundar em Portugal, como a PWN Lisbon ou um dos clubes Toastmasters. No lugar das sucessivas viagens de trabalho que sempre fez e que a pandemia obrigou a paralisar, Nélia Câmara recuperou um talento antigo para o desenho de moda e a costura. Lançou de raiz The Nita’s House, uma plataforma digital com artigos originais, oriundos da criatividade das suas mãos e outros com assinatura de parceiros cuja qualidade aprecia e com a mesma visão sustentável. A executiva de topo que desde criança tinha mão para a costura e olho para escolher as cores e combinar os tecidos, encontrou neste inesperado tempo de paragem uma oportunidade para um negócio que é mais do que um negócio. A menina com vocação para ser estilista formou-se em Matemática Aplicada, pela Universidade Nova de Lisboa, concluiu o mestrado em Actuariado e Gestão de Riscos Financeiros, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, o MBA em Recursos Humanos e Gestão de Negócios da Universidade Autónoma e a pós-graduação em Neuromarketing pela Psicossoma. Com as funções de gestão de topo, concilia agora o novo projeto, esboçado com o mesmo lápis com que sempre desenhou as suas peças. E que lhe serviu também para a concretização de um sonho.


O tempo da pandemia permitiu criar as condições para acrescentar à exigente vida executiva o planeamento e lançamento da The Nita’s House, que traduz a conjugação de um talento revelado desde criança. Quer explicar-nos em que consiste este projeto à luz da ideia de que nunca é tarde para os sonhos da infância?

Com este projeto, pretendo dar o meu contributo em três áreas. Desde logo, ajudar as mulheres a expressarem a sua individualidade e a sentirem-se mais autoconfiantes, seja através de peças de roupa diferentes e únicas ou a produzir peças mais adequadas aos diferentes biótipos. Depois, é também um contributo para reduzir o impacto da indústria da moda no ambiente. Como? Produzimos em pequenas quantidades e com base na procura para reduzir o volume de roupa que é colocado no lixo; recorremos a costureiras locais (sabemos quem faz a roupa e como) e transformamos peças já existentes no roupeiro em peças atuais. Por último, apoiamos uma associação que protege animais domésticos abandonados e, por cada peça vendida ou transformada, entregamos 1 euro. Quando relembro os meus tempos de menina, este projeto faz todo o sentido: a) desde muito cedo (ainda antes da escola primária) que usava a máquina de costura da minha mãe para fazer toucas e vestidos para os meus gatos; b) sempre adorei desenhar e alterar a minha roupa e, a título de curiosidade, o meu vestido de noiva foi desenhado por mim e feito pela minha mãe; c) o meu gosto de juntar pessoas com o objetivo de partilhar saberes vem desde muito cedo… recordo com carinho que o meu pai me fez um quadro de ardósia quando eu estava na primária para eu receber os meninos e meninas da nossa rua e assim dar explicações de matemática; d) foram muitos os cães e os gatos abandonados que eu levei para casa dos meus pais… devemos ter resgatado mais de 100 bichinhos.

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Que artigos podemos encontrar na The Nita’s House?

Nita é o meu nome de pequenina, mas também é usado para descrever o projeto e os artigos e serviços que disponibilizamos:

  • N de New – roupa nova desenhada por mim ou por parceiras que aceitaram fazer parte do projeto e que partilham os mesmos princípios. Queremos apostar na qualidade dos tecidos e do fabrico para que sejam peças duradouras;
  • I de Ideaction – produzimos peças de roupa com base na ideia do cliente, pode ser um vestido de noiva ou, simplesmente, um casaco diferente;
  • T de Transform – a) transformamos o velho em novo, evitando mais compras e/ou dando uso a uma peça com valor sentimental; b) queremos apostar em peças que se convertem noutras, reduzindo a necessidade de enchermos o roupeiro; c) fazemos consultoria para descobrir quais as cores que melhor realçam a beleza natural;
  • A de Accessories – os acessórios (lenços, malas, joias) ajudam a compor um look ou até a alterar o estilo do mesmo sendo uma componente indispensável. Pretendemos aumentar a escolha com mais peças, com base em novas parcerias e à medida que encontre mais tempo para deixar a minha criatividade fluir.

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Posso interpretar que o facto de escolher também para a designação a palavra ‘casa’ pressupõe, no sentido do escritor José Luís Peixoto, que este é um lugar de acolhimento e de encontro com o outro por excelência?

Sim, é isso mesmo. Pretendo construir um atelier/show room em breve no jardim da minha casa para que esses encontros sejam momentos especiais, mas também pretendo que ‘casa’ signifique comunidade e espírito de partilha, algo que já iniciei com as parcerias com a Juux, La Maison Marguerite e a Naizza.

Para robustecer o talento que já tem, fez algumas formações à medida, certo?

Sim, tenho consciência plena que tenho de aprender muito sobre esta área – passou a ser um novo hobby! Já fiz um curso de costura e já tenho certificação de consultoria em coloração pessoal (usando o método sazonal expandido). Neste momento, estou praticamente a terminar um curso de consultoria de imagem enquanto estou a aprender modelagem para customizar a roupa para diferentes tipos de corpos. Já está previsto um novo curso ainda este ano: ilustração e desenho técnico para conseguir transmitir no papel as várias ideias que vou tendo.

Acredito sempre que mais vale dar pequenos passos do que esperar pelo momento certo para fazer algo muito relevante. Com muitos passinhos conseguimos fazer a diferença, começando agora. Desejar que sejamos todas a favor de slow fashion é praticamente impossível, até porque do ponto de vista monetário as peças feitas pelas grandes marcas têm preços muito baixos. Ter consciência do tema e contribuir à medida do que é possível para cada uma, já é um grande passo!

Há, mais do que nunca, uma consciência de sustentabilidade que não podemos não ter? Qual é a sua visão para o conceito de slow fashion aqui adotado?

Acredito sempre que mais vale dar pequenos passos do que esperar pelo momento certo para fazer algo muito relevante. Com muitos passinhos conseguimos fazer a diferença, começando agora. Desejar que sejamos todas a favor de slow fashion é praticamente impossível, até porque do ponto de vista monetário as peças feitas pelas grandes marcas têm preços muito baixos. Ter consciência do tema e contribuir à medida do que é possível para cada uma, já é um grande passo! Gostaria muito de apenas usar materiais sustentáveis na confeção da roupa, mas nesta fase isso é quase impossível já que esses materiais são ainda muito caros em Portugal. Assim, e para já, o nosso objetivo é contribuir para que mais mulheres entendam o que significa slow fashion e porque é um tema tão importante. Em paralelo, estamos a ajudar ao fabricar roupa de maior qualidade, alterando roupa já existente e apenas produzindo com base na procura. Se contribuir para que as mulheres planeiem as compras de forma diferente, consigam dar uma vida mais longa às peças que adquirem, se deite menos roupa no lixo… então ficarei muito orgulhosa porque estarei a contribuir para mudar alguma coisa.

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A identidade gráfica da The Nita’s House remete-nos para um diálogo aceso com as cores e a força que elas sugerem. É uma imagem de marca da sua própria personalidade, que por si só já pressupõe uma relação viva e intensa com a cor e a irreverência…

Ainda bem que é essa a leitura, porque é isso que pretendo. A cor é uma ferramenta poderosa na comunicação quando bem usada, além de que pode ter benefícios a nível emocional. Por exemplo, um vestido vermelho demonstra autoconfiança mas também criatividade, positivismo, energia e intensidade, enquanto a cor azul escuro num look passa uma imagem de responsabilidade, profissionalismo e lealdade. Quanto ao impacto emocional das cores, por exemplo, o amarelo tem o poder de dar força, encorajar o pensamento crítico e melhorar a memória. Com esta identidade, pretendo passar a mensagem de que todas as mulheres são especiais e podem arriscar e que juntas podemos colorir o mundo.

Já desde esta fase de lançamento, The Nita’s House integra, para além do seu, também o trabalho de outros artistas e empreendedores identificados em diferentes geografias do país. Há aqui uma abordagem de gestão de parcerias e criação de sinergias em nome da promoção do talento, não é assim?  

Acredito que as mulheres quando se juntam conseguem alcançar coisas que por vezes achamos impossíveis. Pretendo que este projeto, a que chamo “casa”, seja um espaço de partilha de experiências e de entreajuda, usando a moda como um denominador comum – todas nós necessitamos de nos vestir todos os dias independentemente da raça, do peso e dos nossos ideais. Não conhecia nenhuma das minhas parceiras antes do lançamento do projeto (até porque este setor é novo para mim). A seleção foi feita com base no talento destas mulheres, mas acima de tudo pelos seus princípios e valores. Procuro parcerias duradouras em que juntas celebramos o sucesso de cada uma.

Que esta seja uma marca que venha (em conjunto com outras) a transformar o significado da moda em Portugal.

O que considera que uma carreira de mais de 30 anos no mundo corporativo e com várias funções na gestão de topo de multinacionais lhe deu para a concretização deste projeto?

Conhecer o ser humano e saber como potenciar o talento; ser mais inclusiva, estar mais atenta às necessidades do cliente; ter conhecimento na gestão de negócio e de projetos e networking; gestão efetiva do tempo para ser gestora e para ser a criativa.

Com o lápis com que desenha os seus artigos de moda, que futuro desenharia para o projeto The Nita’s House?  

Que seja uma marca que venha (em conjunto com outras) a transformar o significado da moda em Portugal, ajudando a que a palavra fashion não seja considerada como algo fútil, mas sim como algo que pode ajudar as mulheres a serem mais felizes e a terem mais sucesso sem contribuir para danificar o meio ambiente. Que consiga fazer mais pelas mulheres que se sentem inseguras com o seu corpo, fazendo peças que as ajudam a sentirem-se bonitas. Mais parcerias porque estarei ajudar outras mulheres a terem sucesso nos seus projetos, mas também a criar mais escolha para as clientes da The Nita’s house. Um espaço de networking e partilha de saberes e, por fim, que consiga ajudar muito mais instituições que recolhem animais abandonados!

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+ Informação The Nita’s House

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