Começa a ser grande a mancha de livros de José Tolentino Mendonça na minha estante de livros. Comecei por ler, em 2013, O Hipopótamo de Deus e, desde então, sigo atenta cada novo livro e recupero, sempre que posso, os que vêm de trás. Em setembro deste ano, saiu O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas, todo ele a materialização do ato de perguntar, que é como quem diz, de auscultar, de escutar. E de voltar a perguntar, numa possibilidade irreverente de renascimento e renovação.

Há neste livro, como de resto em toda a apologia do Padre Tolentino Mendonça, um permanente equilíbrio entre o valor do silêncio e a força das palavras. Entre o valor da pergunta e a circunstância das respostas. «Há um momento em que percebemos que as perguntas nos deixam mais perto do sentido, da abertura do sentido, do que as respostas.» E prossegue caracterizando as perguntas mais preciosas: «(…) aquelas que em silêncio nos acompanham desde o princípio, aquelas que se confundem com o que somos (…)». Este livro é uma dessas perguntas.

É uma pergunta sobre as zonas periféricas, como o banco de jardim onde nos podíamos sentar mais vezes; sobre a atenção, «como tarefa espiritual primeira» e perceção do tempo como oportunidade para alargar e engrandecer as nossas perguntas; sobre a lentidão, que afugentamos sob pena de perdermos a corrida de velocidade em que sempre nos queremos posicionar; sobre a oração, esse instrumento para a compreensão da «vida humana como possibilidade de Deus»; sobre a espera como reconhecimento do «tempo necessário para ser»; sobre o espanto que desprezamos «num tempo que nos programa para olhares breves»; sobre a alegria, que não depende do conhecimento, «é uma questão de olhar»; sobre a , que não se confunde com um «caminhar num território cheio de garantias» e, antes pelo contrário, surge como «uma arte do risco» e paradoxalmente como «a radical exposição da nossa fragilidade»; sobre a esperança, enquanto dom, é certo, mas dom ancorado na aspereza da realidade e com a certeza de que aquele «pequeno quinhão de esperança que nos resta é suficiente para relançar uma inteira vida».

O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas é um desafio permanente ao recentramento no essencial, uma invocação à ampliação do nosso olhar, à reorganização da nossa forma de ver o mundo, ao redimensionamento da nossa escala e à pulverização da dimensão utilitarista e estreita que tantas e tantas vezes nos cega. O novo livro do ensaísta, pensador, poeta Tolentino Mendonça apela-nos à reconfiguração do nosso tempo, num apelo à capacidade para abarcar o que fomos, o que somos e o que viremos a ser.

Neste belíssimo livro, Tolentino Mendonça celebra o regresso ao verbo escutar, esse «exercício necessário de resistência» e tanto mais necessário nesta sociedade atual dogmatizada pela produtividade, a tecnologia, a velocidade e o consumo. Escutar: num tempo e num espaço de isolamento, de recolhimento. Tolentino Mendonça recorre à escritora brasileira Nélida Piñon: «A solidão buscada é o lugar onde melhor aprendi a encontrar-me».

Nesse ramerrame que é a velocidade monótona das nossas vidas, somos muito poucas vezes (faltar-nos-á a coragem para mais) impelidos a perguntar-nos, ainda, sobre a nossa felicidade, pergunta que sabemos fundamental. N’O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas, Tolentino Mendonça diz-nos que a felicidade chega «nesses momentos de graça em que não esperamos nada». E quando não esperamos nada será, porventura, também quando estaremos em melhores condições para formular as melhores perguntas. Porque estaremos então aí menos ávidos da resposta. E mais perto do essencial.

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