Não é comum trazer aqui histórias para crianças. Não. Mas esta não só não é apenas uma história para crianças, como tem a mão firme de uma amiga, Benedita de Albuquerque, que a assina, ao lado de João Bacelar, na incrível ilustração.
Três grandes felinos, num outro tempo, há muito, muito tempo, encontram-se na savana. São o Tigre Smart, a Chita Speed e o Leão Strong. A dimensão portentosa, a força, o estatuto poderão ser atributos, indiscriminadamente, apontados aos três. Curiosamente (ou não), todos ostentam e partilham entre si o consenso sobre uma profunda insatisfação com o que são. Querem, afinal, ser diferentes. Uma estrela cadente, com efeito, concede-lhes milagrosamente o desejo de passarem a ser diferentes, efetivamente, e eis senão quando… Surge o confronto com uma nova “personagem” na qual, com espanto, não se reveem. Sem as características específicas e tão especiais que os marcam – a inteligência, a velocidade e a força –, entram numa espiral de busca da própria identidade, num retrato manifestamente filosófico das interrogações mais icónicas que a vida provoca.
Este é um livro para crianças, como quase todos os livros para crianças, com um fio puxado à narrativa que é para adulto ver (com atenção). Assistimos, aqui, a um tão comum descontentamento com o que somos, com o que temos, com o que nos torna absolutamente únicos. Na vida como ela é, não mudamos de tigre para chita, nem de leão para tigre. Mas às vezes caímos na tentação de fazer imitações fáceis e rapidamente percebemos que a cópia tem um preço grande…
Três Amigos e Um Desejo, da Oficina do Livro, é uma história com tudo: está inquestionavelmente bem escrita; tem personagens fortes; vive assente numa excelente narrativa, com ação, ritmo e suspense; tem imprevisibilidade, dado introduzir surpresas pelo caminho que vão prendendo à leitura; tem lições de vida fortes, dentro da lição principal, colocadas no embalo da história; e contagia-nos, ainda, com um tom cinematográfico, sobretudo no final, quando todos se juntam perante a árvore. E, neste ponto, devo dizer, estamos perante um momento “a la” Rei Leão (senti-me a ver um filme).
Benedita dedica o livro ao João Maria, seu filho, a quem intitula de coautor. Na experiência da maternidade, onde couberem leituras de histórias, cabem caminhos para explorar a imaginação e a criatividade. E, sabemos, são as (nossas) crianças que frequentemente nos revelam o ponto de partida para a nossa própria realidade, porque nos levam habilmente àquele lugar onde está tudo: a infância.
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