Duas meninas, mulheres. Desenhadas na narrativa ao correr da pena pela própria autora, a inconfundível escritora francesa Simone de Beauvoir, que é também uma dessas meninas mulheres. E é nesse duplo papel que a escritora nos conta uma história que nos prende declaradamente, As Inseparáveis, de 1954. Mas centremo-nos nas personagens que protagonizam uma incontornável experiência de rebeldia debaixo de uma rígida educação religiosa, sexual e intelectual.

De um lado, Simone de Beauvoir, Sylvie, de 9 anos, aluna da escola católica Adeline Desir. Do outro lado, uma morena conhecida por Zaza, que chega depois dando nas vistas por se destacar do «conformismo reinante» à época. «A sua inteligência arguta e os seus múltiplos talentos seduzem Simone», ou seja, Sylvie. E na aproximação vivida pelas duas meninas vai crescendo uma empatia identificada por Sylvie como uma paixão desmedida, um sentimento incansável de altruísmo, um amor dilacerante. Mas em Zaza o sentimento é desigual. Nem tão pouco Zaza se dá conta do amor de Sylvie, «mas que importância pode isso ter face ao arrebatamento de amar?», questiona Sylvie Le Bom de Beauvoir, filha adotiva de Simone de Beauvoir que assina o Posfácio, parte fundamental do livro, com o relato «factual e cronológico» que nos suporta no entendimento das idiossincrasias e das motivações.

Com a evolução do livro, vamos assistindo ao desmoronar da segurança incólume e das diferenças de Zaza. Vários acontecimentos, sempre colocados na trajetória da relação de Zaza com a sua mãe, vão revelando as fragilidades relacionais, sentimentais e comportamentais de uma menina que aos 21 anos de idade «morreu por ter sido excecional». No Posfácio, é dada ainda mais carga a esta ideia: «Zaza morreu porque tentou ser ela mesma e porque a persuadiram de que essa pretensão era uma coisa negativa».

Mas para chegarmos a esta perceção, somos levados em cenas rocambolescas entre preconceitos, estereótipos, dogmas. «Cabia à família determinar as uniões, organizar as “entrevistas”, selecionar os candidatos com base nos seus interesses ideológicos, religiosos, mundanos e financeiros». E é uma espécie de «exílio interior» que se forma em Zaza e que lhe causa um sofrimento atroz. Inquebrantável.

O livro As Inseparáveis, que inclui também um património documental, com cartas e fotografias da autora, consiste num elemento de enorme valor literário e, simultaneamente, uma chave mestra para a interpretação de Simone de Beauvoir e da sua obra.

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