O escritor argentino Jorge Luis Borges é nosso. De todos. Porque a sua glória (não a fama) alcançada transformou-o num dos alicerces mais fundamentais do património literário e cultural e do imaginário contemporâneos. Vem sempre inserido na lista dos grandes escritores que não receberam o Nobel, mas talvez este escritor – que dormia com Camões à cabeceira e que em criança já escrevia a imitar Cervantes e a compilar a mitologia clássica – não precisasse do reconhecimento do prémio maior da literatura. A vénia que lhe fazem hoje é, porventura, já do tamanho da sua grandeza. Uma das principais referências que sobressaem na referência a Borges é o seu amor à leitura. Para Borges, a «leitura é uma forma de felicidade». Por isso, surgem tão grandes as suas reflexões e anotações sobre os escritores que leu. Na Biblioteca Pessoal, estão reunidos vários prólogos «de uma série de cem que haveria de constituir uma coleção, a súmula das suas preferências literárias». Aqui, ficamos a conhecer o que pensa Borges de alguns dos maiores escritores.

Fala-nos de Kafka, cujo destino «foi transmutar as circunstâncias e as agonias em fábulas», como «o grande escritor clássico do nosso atormentado e estranho século». Assemelhou Eça de Queiroz a Oscar Wilde, usando para ambos o epíteto de «génios». Recorda Wilde, ainda, por ser encantador, virtude que elege para o primeiro lugar e sem a qual nenhuma outra interessa. Refere-se ao Coração das Trevas, de Joseph Conrad, como «a mais intensa das narrativas elaboradas pela imaginação humana». Foi buscar Gustave Flaubert para nomear que «para cada coisa deste intrincado mundo preexiste uma palavra precisa» e Sören Kierkegaard para quem a «religião foi a mais forte das suas paixões». Lista vários clássicos e diz, a propósito de Heródoto, que o espaço se mede pelo tempo. Fala da «obra-prima» de Virgílio, Eneida. De William James, que «repetiu, como quase todos os homens, o monólogo de Hamlet». Volta aos contemporâneos para mencionar que é inconcebível falar de «literatura atual» sem falar de Whitman ou Poe. E volta a muitos, muitos mais, numa arrumação bibliotecária da sua visão sobre a literatura, que também é a sua visão sobre o mundo. E sobre a vida.

Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, em 1899. No ano de arranque da Primeira Grande Guerra seguiu com a família para a Europa, tendo-se estabelecido na Bélgica e em Espanha. No início da década de 1920, regressou a Buenos Aires e aí passou a participar ativamente na vida cultural do país, entre a nata intelectual de então. Nessa década, celebrou também o seu primeiro livro dado à estampa, Fervor de Buenos Aires. É autor de poesia, contos, ensaios, críticas, tendo sido nestes dois géneros que se implicou com maior e mais consensual originalidade. Na sua obra, encontramos (quase) tudo. Juntam-se todos os saberes, as leituras de (praticamente) todos os outros autores, todos os temas universais. Está lá tudo. O professor de literatura que dirigiu a Biblioteca Nacional de Buenos Aires cegou totalmente aos 55 anos e não deixou de viajar, dirigir cursos, pensar e entregar ao papel, ditando, o que escreveria diretamente se visse. Passou a ver de outra forma. E continuou a ser Borges. Essencial.

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