Estive há uns dias, como tive oportunidade de partilhar aqui no Entre | Vistas, a ler no Chiado, nesse dia com a presença de Valter Hugo Mãe, Maria Ribeiro e Ana Kiffer, com a belíssima moderação de Anabela Mota Ribeiro. Achei surpreendente a escolha daquelas três figuras, à partida improváveis numa mesma conversa. A que me saltou ainda mais à vista – pela improbabilidade, pensei eu – foi Maria Ribeiro, para quem à partida olharia “apenas” como uma atriz brasileira. Estava eu mal informada. No seu estilo irreverente, irónico, inteligente e, ao mesmo tempo, meigo e simples, materializou a capacidade de romper com os cânones, as convenções e dizer aquilo que lhe vai na alma, mesmo que isso seja menos para provocar e mais para atuar em legítima defesa. E como ela fala de tudo. É impressionante. Daquela conversa, saí a comprar o seu livro recentemente publicado em Portugal, Trinta e Oito e Meio.

É um livro de crónicas, esse género tão apreciado no Brasil e tão desvalorizado por cá. No Brasil há, aliás, uma cultura cronista, numa autêntica consideração ao texto curto. Neste seu Trinta e Oito e Meio, Maria Ribeiro retrata a capacidade de «(…) sair de si e começar de novo, e sempre, como uma boneca russa». Que imagem deliciosa! Nas várias alusões que faz nas dezenas de crónicas, juntam-se referências culturais, observações sobre as coisas mais comezinhas e ao mesmo tempo as mais profundas. A determinada a altura, diz: «Seja sua própria Avenida Paulista.» Numa apologia da obrigatoriedade que todos nos devíamos incutir de ter as próprias alternativas, sem dependências do que é exterior.

De Clarice Lispector, passa para Freud, Sinatra, Tom Jobim, Machado de Assis, Godot, Bauman, Almodóvar, Jorge Amado, Bergman, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa, Valter Hugo Mãe ou Matilde Campilho. Percorre vários nomes que constituem contextos culturais de cá e de lá do Atlântico. Percorre também vários nomes que estão acima dessa ponte aérea. Comuns a todos nós. E pelo meio fala da Zara, de Pokémons, do Google e do Índice Bovespa. Com mil referências ao Rio, também. «O meu Rio é mais montanha que praia, e mais personagens que cenário.»

Deambula pela arte de ser atriz: «(…) pra ser outro há que se olhar em volta, e duvidar de si, e ensaiar mudar». Não é extraordinário? Deambula pela arte de ser mãe: «A maternidade foi uma lente que redesenhou minha vida pra trás e pra frente». Não é extraordinário? Deambula sobre valores elementares: «não ostentar simplicidade. Ser simples.» Não é extraordinário? Também é Maria Ribeiro a dizê-lo: «(…) a qualquer momento tudo pode ficar diferente só porque alguém te mostrou uma frase simples». Como é verdade.

Nascida no Rio de Janeiro, em 1975, Maria Ribeiro é licenciada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica. Com vocação para a representação, já pisou os palcos do cinema (mais de dez filmes) e da televisão (mais de vinte novelas), tendo ficado conhecida do grande público com a sua integração no multipremiado Tropa de Elite (Urso de Ouro no Festival de Berlim, 2008) e na novela Império, da Globo. Também realizadora de documentários, Maria Ribeiro é cronista no jornal O Globo e foi até há poucos dias apresentadora do programa do GNT Saia Justa.

«Alguém já disse que um ano novo é outra chance de fazer tudo igual». Lembra Maria Ribeiro no Trinta e Oito e Meio. Talvez porque para fazer diferente não seja necessária a mudança de ano. Talvez possa ser aqui e agora. Não ser trinta, nem quarenta. Mas trinta e oito e meio.


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